As empresas já não querem transformar contabilistas em Directores Financeiros (DF). O recente turbilhão económico dita alterações constantes, exigindo a quem ocupa funções financeiras que esteja preparado para solucionar a forma como a crise afecta a empresa (seja no ganho capital ou na reestruturação do negócio). Concorda?
A distinção entre as áreas contabilística e de direcção financeira tem-se vindo a desenhar há alguns anos. Os especialistas das áreas financeiras não têm, de forma alguma, a exclusividade da função de DF. Sobretudo em empresas industriais, muitos são os DF oriundos de áreas diferentes da financeira, designadamente das engenharias, cuja formação é depois complementada com pós-graduações e MBA em gestão e finanças.
Mas, de facto, os últimos acontecimentos económicos têm demonstrado que às empresas não basta competências no planeamento estratégico e, assim, na direcção administrativa e financeira da sua execução. A participação nas decisões de gestão requer aptidões alargadas e exige dos DF características próprias que permitam responder, de forma rápida, às agressividades externas com impacto na organização, obrigando à reestruturação do seu negócio e, muitas vezes, à diversificação de áreas de actuação.
A actual situação económica dita que o DF perfeito para o lugar há um ano, dadas as circunstâncias, possa não o ser no momento actual. Como interpreta esta nova necessidade camaleónica do DF de um dia ter de focar a sua actividade no crescimento do negócio e noutro na crise de crédito ou na inversão da situação financeira da empresa?
A evolução da função de DF tem vindo a sentir-se nos últimos anos, caracterizados por turbulências de expansões e crises, naturalmente não comparáveis à última, mas que possibilitaram alguma preparação para a mudança. Porém, concordo que nem todos estarão aptos para a nova função; que nem todos terão a habilidade de construir os instrumentos capazes de responder, simultaneamente, à excelência operacional da actividade da empresa e à necessidade de inversão da sua situação financeira que poderá, por vezes, passar pela sua reestruturação e do seu negócio.
Poder-se-á dizer que os tempos actuais de mudança são particulares, porque estão a desenvolver-se num período de instabilidade e crise e, por esta razão, ainda estamos longe de conhecer os resultados. Porém, neste período de agitação e nevoeiro, em que a navegação é à vista, iremos assistir a uma selecção natural dos “talentos”.
Com a actual grande exigência dos MBA, uma perspectiva educacional e financeira mais abrangente e pessoas com backgrounds mais ligados à análise financeira, dependendo da empresa, acha que há a procura de um DF que, em oposição à contabilidade e aos relatórios financeiros, possa assegurar uma folha de balanços, que conheça o mercado de dívidas e que seja forte na avaliação de activos?
Sem dúvida; a mudança e aperfeiçoamento, a que me tenho vindo a referir, passa por uma forte aposta no aumento de competências e cultura de mercados que permitam uma resposta eficaz na avaliação dos activos e passivos. Nesta medida, as Pós-graduações e os MBA têm evoluído de forma segura, com modelos de cursos abertos a experiências profissionais enriquecedoras e intelectualmente estimulantes, permitindo àqueles que os frequentam aprendizagens indispensáveis à sua função.
A contabilidade tradicional não traz nenhuma informação sobre as medidas que permitem aumentar o valor da empresa. Quais as vantagens que a alteração das suas demonstrações (reporting) trazem aos DF?
Na verdade, o sucesso das empresas passa pelo aumento do seu valor, quantificável, mas não monitorizável, através da contabilidade tradicional. Nesta medida, os DF têm-se visto obrigados à adopção de instrumentos essenciais à monitorização dos planos estratégicos e operacionais das empresas, adaptando reportings que permitam acompanhar a evolução da criação de valor e envolvendo neste sistema todos os trabalhadores, cujo sucesso contribuirá positivamente para o processo de orçamento. Este envolvimento é conseguido através dos seus objectivos individuais, que servem de base à sua avaliação e que são, naturalmente, fruto dos planos estratégicos e operacionais.
Considera que a suspensão do Pagamento por Conta (PEC) poderia ser uma das medidas ideais para incrementar a liquidez nas empresas?
É com certeza uma das medidas passíveis de aumentar a liquidez das empresas. Porém, só por si não resolverá a maior parte ou quase totalidade das situações. Medidas como a devolução do IVA mensalmente e não ao fim de três meses, a alteração do momento da exigibilidade do IVA, o pagamento a tempo e horas por parte do Estado, entre outras, iriam garantidamente incrementar a liquidez das empresas.
Apesar de não estar ainda definido em que moldes, o Governo vai alterar o regime simplificado de IRC para as empresas no próximo Orçamento de Estado. Esta alteração deve-se à entrada em vigor das NIC (Normas Internacionais de Contabilidade). Que vantagens reais para as empresas pode trazer esta simplificação?
Esta alteração era inevitável para precaver regras que entrarão em vigor com as Normas Internacionais de Contabilidade, designadamente no âmbito daquelas que serão aplicadas às empresas de pequena dimensão. É fundamental acautelarem-se os impactos que as novas regras preconizadas nas NIC terão nas empresas, em princípio a partir de 2010. Neste contexto, será com certeza vantajoso para as empresas, nomeadamente ao nível técnico e administrativo.
Na minha opinião, o desenvolvimento deste processo deveria ir no sentido da simplificação do regime fiscal, sempre baseado na contabilidade.
O número de insolvências disparou em 2008. Do ponto de vista da direcção financeira, de que forma um processo de insolvência pode ser uma forma de enfrentar a crise?
Num processo de insolvência poderemos seguir dois caminhos: a liquidação e dissolução da empresa ou a invocação de um plano de recuperação e reestruturação. É relativamente a esta última possibilidade que julgo incidir a questão colocada. Neste sentido, considero que a insolvência, quando apresentada no momento certo, ou seja, quando iminente, poderá criar condições para novos desafios ao Director Financeiro, na elaboração de um plano de reestruturação da empresa que permita reinventar, criar novos mercados, novos produtos, no limite novas culturas.
Uma coisa que a crise nos ensinou foi percebermos que a recuperação já não virá por via das receitas clássicas. Será que se exige uma profunda e urgente mudança de mentalidade?
Diria que estamos todos a aprender com esta crise, de grandeza inimaginável, que desaguou nas mais díspares áreas de negócio e que aos vários níveis, políticos, sociais, educativos, entre outros, irá obrigar, com celeridade, a fortes mudanças culturais e de mentalidades.A época que estamos a atravessar, de forte dependência mundial, tanto no que respeita ao processo económico, como também em relação às demais variáveis que norteiam as nossas vidas, tem-nos demonstrado que as receitas até aqui utilizadas para a gestão e recuperação de empresas já não funcionam ou, pelo menos, não perduram por muito tempo. Neste contexto, a aposta do Director Financeiro, como resposta à permanente pressão a que está sujeito, deverá passar pela rápida aprendizagem e cultivação nas várias áreas de possível intervenção da empresa por si acompanhada.