Sente que as principais preocupações actuais do Director Financeiro (DF) devam ser a gestão do dinheiro vivo e a redução de custos?
No topo das prioridades do DF está a sua equipa. As direcções financeiras vivem actualmente um período em que a pressão sobre elas é enorme. As equipas estão nos limites e a liderança e acompanhamento são factores muito importantes para que as pessoas se sintam motivadas e aumentem o seu desempenho.
Existe uma prioridade máxima de assegurar a liquidez suficiente, para que a sua empresa opere, sem qualquer interrupção derivada da ausência de pagamentos. Nos últimos meses, os empréstimos às empresas quase que congelaram e a capacidade de aumentar o nível de endividamento é diminuta. Por isso, o DF tem de ter uma preocupação constante e ágil sobre tudo o que afecte a sua tesouraria, sendo a cobrança a redução de custos e o dilatar dos prazos de pagamento a estratégia mais forte.
A redução de custos deve ser uma pratica constante das empresas procurando atingir o máximo de eficiência com os recursos disponíveis. Só através de uma cultura de combate ao desperdício se pode aspirar a uma melhoria contínua das organizações. Esta é também uma das formas de reter mais dinheiro dentro das empresas. É necessário que se tomem diversas medidas que permitam ganhar eficiência, tais como, os serviços partilhados ou o recurso ao outsourcing, procurando assim reduzir os custos fixos, transformando-os em variáveis.
Concorda que o DF, inserido numa estrutura descentralizada, poderá ter o seu papel valorizado ao nível da definição estratégica da organização?
O papel da Direcção Financeira na definição estratégica das empresas é essencial, independentemente da estrutura ser centralizada ou descentralizada.
Contudo, em organizações descentralizadas a liderança do DF assume uma componente fundamental na implementação dessa mesma estratégia assegurando que os recursos disponíveis se adequam ao plano de desenvolvimento estratégico garantindo o correcto equilíbrio entre acções de curto e médio e longo prazo.
Em tempos como este, o DF precisa de se acautelar com vários planos de contingência do negócio. Para tal, considera que é relevante estar diariamente atento aos mercados internacionais e à forma como estes podem afectar as finanças da sua empresa ou em Portugal seremos demasiadamente periféricos para isso?
Os mercados financeiros são globais. O impacto da variação, nomeadamente das taxas de juro e consequentemente nas taxas de câmbio, levam a que a Direcção Financeira deve proceder a uma monitorização constante dos mercados internacionais. Quanto mais internacionalizada está a empresa mais sujeita fica às variações cambiais. Assim como quanto mais alavancada estiver mais risco toma com as possíveis variações das taxas de juro.
Existem, no entanto, ferramentas de cobertura de risco para as quais a DF moderna deverá estar especialmente atenta e informada, adoptando uma estratégia conservadora na gestão do seu risco financeiro.
Qual é o impacto da crise aos olhos de um DF?
Na última década o crescimento económico em Portugal foi quase nulo. Esta crise, adiciona à realidade de uma economia em estagnação, uma crise de liquidez, assente na falta de confiança no sistema financeiro.
O DF tem uma visão global do impacto desta crise, nas diferentes áreas de negócio da empresa e na consequente redução de cash flow gerado, sendo necessário assegurar que a empresa mantenha a sua capacidade de cumprir com as condições financeiras acordadas com os seus fornecedores de forma a não causar constrangimentos ou atrasos ao longo da cadeia de valor.
Com a conjuntura actual os DF devem, sempre que possível, procurar aumentar o rating de crédito das suas empresas. Para atingirmos esse fim, algumas das estratégias a implementar são:
- reduzir linhas de crédito de financiamento;
- monitorizar de perto os recebimentos;
- trabalhar com os fornecedores assumindo uma relação próxima e de parceria.
A crise leva a que seja necessário manter relações mais fortes com a banca, agências de avaliação e investidores. Sente que o negócio parece agora mais focado em comunicações fortes e na transparência dos seus principais actores?
A credibilidade dos interlocutores dos agentes financeiros dentro da empresa é actualmente um factor essencial para a manutenção de uma parceria com as instituições financeiras. Para a construção e manutenção desta mesma credibilidade é necessária a adopção das melhores práticas em termos de transparência de uma forma consistente.
Em tempos de incerteza, quanto mais informação for disponibilizada maior será o grau de confiança que a empresa promove junto dos diversos stakeholders possibilitando que os mesmos estejam a par da estratégia implementada no sentido de ultrapassar as dificuldades.
A capacidade que tínhamos antes da crise de efectuar negociações de spread abaixo do 1 pp acabou. Agora não nos resta esperar que a banca mantenha os empréstimos contratados. Os spreads são os que os bancos definem acima dos 2 pp sem qualquer capacidade das empresas intervirem e negociarem pois caso o pretendam fazer o risco é perderem os financiamentos.
Por uma questão de gestão de risco e de lhes salvaguardar alguma independência, considera que as empresas devem trabalhar com mais do que uma instituição bancária?
É saudável para as empresas diversificar a capacidade de endividamento. Na conjuntura actual os bancos limitam cada vez mais os financiamentos às empresas o que as obriga a expandir as relações com um maior número de instituições bancárias.
Numa perspectiva de super-colaboração o número de parceiros financeiros não deverá ser excessivo de forma a permitir que se estabeleçam relações próximas e sólidas, porque, caso contrário, o nível de confiança entre as partes não possibilita uma percepção de risco adequada levando a que as operações financeiras se tornem mais onerosas ou até impossíveis de implementar.
Empresas com boas reservas financeiras não terão, como é óbvio, este problema e, por isso, terão mais capacidade de manter relacionamentos, numa óptica de longo prazo. Constituindo-se assim uma vantagem competitiva em termos de recursos financeiros que lhes permite distanciarem-se das empresas que tenham necessidades de financiamento.
Na relação com os fornecedores considera que, face à tendência para o atraso no pagamento, é imperativo não ter prazos de pagamentos iguais para todos os fornecedores?
As empresas deverão efectuar um diagnóstico da carteira de fornecedores críticos para a sua actividade. Deverá construir uma matriz assente em dois vectores: importância para o negócio e capacidade financeira do fornecedor. Assim, teremos que ter sempre o cuidado de antecipar dificuldades financeiras de fornecedores fulcrais à actividade pois se estes entrarem em colapso financeiro deixam de cumprir com os fornecimentos.
Numa perspectiva de credibilidade e confiança os prazos acordados deverão ser cumpridos, pelo que, caso sejam necessários ajustes, estes deverão ser previamente comunicados aos fornecedores obtendo deles o seu consentimento. De nada serve ter uma condição de pagamento acordada que, antecipadamente se antevê como inexequível, provocando distorções na planificação financeira.
Em caso de divida acumulada a mesma deverá ser enquadrada num plano de pagamentos futuros afastando assim a angústia da incerteza gerada pela má comunicação entre as partes.
Em suma, a empresa deverá ter diferentes prazos de pagamento acordados em função do posicionamento dos fornecedores na matriz acima referida.
Apesar de todas as críticas que vêem vindo a ser alvo nos últimos anos, as empresas familiares têm, para surpresa de muitos, revelado forças com esta crise. Como explica esta situação?
Com o controlo das empresas nas mãos de uma ou de mais pessoas da mesma família, as empresas familiares recolhem vantagens competitivas face às empresas de capital aberto. Uma das vantagens que considero importante é a visão de longo prazo que permite investimentos consistentes e de retorno ajustado ao longo do tempo. Em tempos de crise, não devemos querer atingir resultados a qualquer preço. As empresas têm que pensar mais nas margens do negócio e no cash flow do que no volume de facturação, procurando uma sustentabilidade futura.
Estas empresas de génese familiar conseguem ter custos mais baixos pois a gestão efectuada pelo proprietário alinha os seus interesses com oportunidades e risco reduzindo o incentivo do oportunismo o que evita ter que investir em mecanismos para separar as decisões de gestão e controlo.
As empresas familiares conseguem garantir um maior alinhamento de interesses entre os proprietários da empresa e os seus gestores, transmitindo mais unidade, dedicação e lealdade o que se traduz em mais eficiência e empenho.
Finalmente, estas empresas, como são da propriedade da família, não estão alavancadas em financiamentos para a sua aquisição o que permite ter custos financeiros de divida mais baixos que as empresas não familiares.
Biografia
José António Silva Martins é, desde 2007, Director Administrativo e Financeiro da Leya S.A., empresa holding que compreende as editoras ASA, Caderno, Caminho, Dom Quixote, Gailivro, Livros d'Hoje, Lua de Papel, Ndjira (Moçambique), Nova Gaia, Nzila (Angola), Oceanos, Oficina do Livro e Texto. Entre 1998 e 2007, foi Director Financeiro do Grupo Texto Editores. Entre 1998 e 2001 foi docente da cadeira de Contabilidade na ESAI - Escola Superior de Actividades Imobiliárias. Foi Chefe de Contabilidade na Luságua – Gestão de Águas, SA, entre 1997 e 1998. Começou na Climex S.A., nas funções de contabilista e controller, entre 1995 e 1997. É bacharel em Contabilidade (1995) e licenciado em Auditoria (2001) pelo ISCAL - Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa. Em 2007, concluiu a Pós-Graduação em Finanças e Controlo Empresariais INDEG/ISCTE - Instituto para o Desenvolvimento da Gestão Empresarial do ISCTE, Lisboa.