É do domínio público que um dos sectores mais atingidos pela recessão económico-financeira foi o farmacêutico. Apesar de o vosso core business ser o fornecimento de equipamentos hospitalares, não sentiram também algum impacto financeiro, no último ano?
De facto, além dessa vertente inicial, começámos, à relativamente pouco tempo, a entrar no mercado dos consumíveis – mas também numa área muito específica, a da cirurgia cardíaca e vascular. O que não deixa de ser um desafio em relação àquilo que a empresa estava habituada a fazer. Portanto, estamos dentro da medicina e não temos nenhuma ligação com o mercado farmacêutico. A Maquet começou por ser uma marca alemã de mesas de cirurgia. Foi comprada pelo grupo sueco, Getinge, que se dedicava sobretudo à esterilização, onde já era líder de mercado, e que elaborou um plano estratégico para ser um global provider na área. Dessa forma, procuraram e compraram outros líderes de mercado de três diferentes sectores associados, onde se inclui a Maquet – fundando assim a área de medical systems. A Maquet é, portanto, a marca para todas estas empresas compradas, passando a incorporar as surgical workplaces (que incluía as mesas de cirurgia, candeeiros e pendentes), assim como a área de cuidados intensivos (englobando a ventilação e anestesia). Nesse sentido, desde 2009, que a Maquet possui em Portugal todos os negócios da casa-mãe.
Pelo contexto que me descreve, depreendo que tenham passado um pouco ao lado da crise...
Passámos muito ao lado da crise. Primeiro que tudo, há que separar a vertente nacional da internacional. A Maquet Portugal ainda não sentiu ainda a crise, o que é diferente de estar imune a ela. Já a nível internacional estamos a sofrer muito com a crise, porque um dos principais mercados da Maquet eram os países BRIC, onde crescíamos a uma velocidade estonteante. O facto de se terem ressentido teve impacto no negócio.
Desde o início do ano que o Grupo tem desenvolvido um esforço para combater a crise, a ponto de, a dois meses do final do ano, já sabermos que vamos estar perto dos objectivos traçados. Não nos iremos contrair tanto como inicialmente tínhamos previsto.
Não serão muitas as organizações a poderem gabar-se disso...
Sim, felizmente. Este não é um mercado imune à crise pois pressupõe investimento. E mesmo na saúde, estes investimentos podem ser adiados.
E sentem alguma diferença no cliente público em relação ao privado?
Quando falamos em sector privado, não podemos esquecer que há o sector privado puro e as parcerias público/privadas. Ao nível das parcerias as diferenças não são muito grandes do público, talvez porque também não tenhamos nenhuma com maturidade suficiente para sentir esse impacto. Os investimentos privados – e estamos a falar de hospitais que são planeados durante muitos anos –, na sua maioria, entraram em funcionamento imediatamente antes da crise, o que fez com que não se registasse grande diferença. Todos eles tinham extensões para o norte, onde se notou alguma retracção, mas também já se notam sinais de retoma.
O novo Governo, apesar de não implicar uma mudança de titular da pasta, acarreta, apesar de tudo, alguma indefinição?
É inegável pensar que não, pois os seus objectivos de há um ano atrás são diferentes dos de hoje.
... E revistos em prazos cada vez mais curtos, o que os torna difíceis de prever. Numa empresa como a vossa, fica mais complicado planearem a longo prazo, como se calhar gostariam, junto de um fornecedor tão importante...
É verdade, embora, como bons portugueses, nos habituemos a lidar com a máxima que as coisas são para se “irem fazendo” e não para fazer. Um dos principais problemas do nosso país é o facto de o Estado não pagar a tempo e a horas. Isto pode parecer uma questão “ovo de Colombo” mas, se isso fosse resolvido, o impacto no défice seria esmagador. Em Portugal andamos a viver com défices fictícios, pois há muita dívida que não está reconhecida no sector público. No ano passado, o Governo fez um esforço enorme para combater esta situação – numa forma de recapitalizar as empresas sem estar a incorrer em mais despesa – e até beneficiámos com isso, dado que acabámos o ano com um prazo médio de recebimento de 160 dias, superior à maioria das empresas do sector.
Porquê?
Gosto de pensar que isso se deve ao nosso sucesso na cobrança e ao esforço contínuo para o efeito. A seguir ao envio da factura, telefonamos a perguntar se foi recebida. Depois queremos saber se já está conferida, contabilizada e quando nos vão pagar...
Felizmente, sempre que necessitamos, temos a possibilidade de recorrer ao financiamento da empresa-mãe do Grupo. A título de exemplo: fomos contactados pelo banco no sentido de renegociar o spread para uma conta caucionada. De facto, entendo-o, porque tínhamos um spread baixíssimo, graças à presença mundial e à enorme capacidade negocial da Getinge. Dada a possibilidade de financiamento, com o cenário de aumento do spread e com acesso a valores mais baixos na concorrência, resolvemos acabar com a conta caucionada localmente e recorremos ao Grupo. Somos analisados mundialmente a nível financeiro: se quiser um cartão de crédito, tenho de recorrer à Suécia para ver se a exposição do banco ao Grupo não é demasiado elevada.
O facto é que, face às nossas necessidades, com os anos de actividade que temos, numa empresa francamente lucrativa e com margens razoáveis, não se justifica que tenhamos os problemas de liquidez com que nos debatemos.
E a promessa do Estado pagar a 30 dias, poderá resolver o problema?
Se for verdade, irá resolver muita coisa. Nem sequer é muito difícil para o Estado pagar a 30 dias. O problema é reconhecer a dívida, para depois a pagar num mês, o que, por vezes, demora 120 dias! Seria suficiente se o Estado se comprometesse a pagar com 90 dias da data da factura, isto porque podem estar a pagar um ano e meio depois e dentro dos 30 dias, porque o que conta é a data em que a factura é reconhecida.
Em que medida a crise poderá ainda sentir-se no nosso país?
As eleições são um dos motivos para ainda não tenha maior impacto. Os outros têm a ver com os processos de investimento. O Governo português decidiu que o investimento público é a forma de sairmos desta crise. Nada disso nos afecta directamente, a não ser que a aquisição de equipamentos novos para os hospitais seja vista como investimento público. Ao que sei, não há medidas extraordinárias para financiar a saúde. Ao manter as expectativas, o Estado está a promover a continuidade das empresas que actuam no mercado. Nesse aspecto, sentimo-nos protegidos, uma vez que 90% das nossas vendas são, directa ou indirectamente, para o Estado. A crise irá reflectir-se quando saírem os resultados do défice de 2009 e for preciso voltar aos valores anteriores.
Com a crise, a função do Director Financeiro (DF), ganhou um estatuto mais relevante. Na sua opinião, de que forma poderá continuar a ser vista como a área de referência dentro das organizações?
Como DF, tenho de assegurar os serviços financeiros, mas a cultura da empresa diz que há uma exigência natural no trabalho de cada um. As pessoas convivem naturalmente com isso. O valor acrescentado que damos enquanto profissionais e pessoas à empresa é onde nos distinguimos. Dar um pouco mais de si é o que nos permite ir mais além. Por isso sinto a necessidade de ter uma visão transversal da empresa porque, no meu entender, só assim se pode ser um bom DF. Não é suficiente estar apenas delimitado às minhas competências, por isso acumulo também a função de DRH. Essa limitação pode impedir-me de crescer como pessoa e posso até ser um travão da empresa. Ao invés, quero ser alguém que ajude no desenvolvimento da empresa.
Se calhar, com este período mais atribulado que atravessámos, muitas organizações tiverem de repensar a função financeira...
Uma crise é sempre um tónico e uma oportunidade de alavancagem muito boa. Mas já em 2000, quando trabalhava noutra multinacional, se discutia globalmente como é que podemos entregar valor à empresa, para realçar a função de DF. Já se olhava para a área financeira, não como um centro de custos, mas como de proveitos. Ao longo da carreira, sempre procurei sair da caixa e passar para o lado do negócio.
Sente que essa sensibilidade o habilita ao apoio à decisão?
Temos à frente da nossa empresa um líder nato. Aliás, os resultados da empresa falam por si. Considero que tenho feito o meu papel de o auxiliar, na medida do possível, como seu “braço direito”. Funcionamos muito em equipa, efectivamente. Como multinacional, temos de seguir algumas directrizes de fora, mas possuímos uma autonomia pouco comum. Passei por outras multinacionais e percebi isso logo no início. Nessa altura, chegámos a contactar a sede para esclarecer algumas dúvidas e deparámo-nos sempre com respostas extremamente práticas: “têm a certeza que o caminho é esse?”, ou,“se é para fazer, é para fazer já”! Isto faz-nos sentir parte do que estamos a fazer. Portanto, o processo de tomada de decisão na Maquet é muito rápido. Só reportamos à Alemanha os assuntos mais sensíveis.
O Grupo procura trabalhar com um objectivo comum. Só para exemplificar: tenho um prémio que está ligado com os resultados internos e também com os europeus. Isso obriga-nos a estar ao nível do exterior.
Uma das oportunidades que a crise proporcionou, nalguns casos até por razões de sobrevivência das organizações, foi a de fomentar as parcerias. No caso concreto da vossa empresa, considera que essas relações têm hoje um valor acrescentado?
Sem dúvida. Contudo, nesta área as parcerias não são muito formais. Como somos uma empresa mais pequena temos beneficiado desse tipo de associações do que o contrário. Essas parcerias são, sobretudo, realizadas com empresas com produtos complementares ao nosso. Mesmo com casos positivos de associações, onde predominava uma postura de sobreposição (com vantagens para os prazos médios de recebimento), sinto que hoje, com a necessidade de inovar na forma de conseguir os objectivos, há muito maior abertura para essa possibilidade.