A gestão financeira no Terceiro Sector ainda não é muito discutida. Que análise faz da direcção financeira em organizações com as características da Fundação do Gil?
Em primeiro lugar, importa dizer que a Economia Social, o designado Terceiro Sector, tem uma relevância extrema num país que pretende reduzir assimetrias sociais. Em Portugal, os principais problemas deste sector prendem-se, por um lado, com a subsídio-dependência e, por outro, com alguma falta de profissionalismo em áreas chave da gestão.
A maior parte das associações e fundações de cariz social estão cheias de boas intenções mas carecem de profissionais vindos das áreas específicas da Gestão, do Marketing, etc. A multidisciplinaridade é fundamental para trazer a este sector resultados que façam a diferença. Obviamente que, também na área da gestão financeira, é premente que as organizações se comportem como as empresas. Transparência na gestão, divulgação clara das actividades e respectivos resultados. Na Fundação do Gil fazemos questão de dar a conhecer, aos nossos parceiros empresariais e à sociedade civil, o nosso plano de actividades, o nosso relatório de gestão e contas, de forma perceptível por todos, e não apenas um aglomerado de números (somente decifráveis pelos especialistas da área).
A gestão por base numa responsabilidade social tem sido, nos últimos tempos, um dos grandes pilares com base nos que assentam as principais organizações. Em que medida considera esta postura eficaz e como pode esta funcionar em parceria com uma organização como a vossa, cujas características são, intrinsecamente, de responsabilidade social?
A responsabilidade social diz respeito a todos nós: ao Estado, empresas, Terceiro Sector e à sociedade civil. Embora a responsabilidade social seja mais conhecida pela sua acção externa, ao nível da cooperação na comunidade – da responsabilidade ambiental e do mecenato –, tem uma componente interna que se prende com a inclusão de práticas de gestão e de recrutamento não discriminatórias, acesso à formação, promoção do equilíbrio família/trabalho, valorização da diversidade, promoção da participação activa de todos, entre outros.
Actualmente, as grandes organizações já reconhecem a tridimensionalidade da sua responsabilidade: Económica, Social e Ambiental. Talvez pelo seu real poder na transformação das sociedades, são mais pressionadas na mudança estrutural das suas práticas, não podendo ficar-se apenas por meras acções pontuais de Marketing Social.
Bruce Piasecki, no seu “World Inc.” faz uma análise ao poder económico e, por consequência, político das grandes empresas, no decorrer do último século, por via da globalização. “Hoje, as cinquenta e uma economias mais poderosas do mundo são empresas e não países. Cerca de 40% do comércio mundial ocorre no seio destas multinacionais de topo, o que explica o facto de serem imitadas pelas mais pequenas”. Isto prova que a responsabilidade social das organizações pode ter um impacto tremendo na transformação das sociedades.
Em Portugal, essencialmente na última década, esta evolução começou a dar os primeiros passos, embora tenhamos já alguns bons exemplos desta responsabilidade e do seu impacto. Obviamente que a Fundação do Gil procura envolver-se e estabelecer parcerias com as empresas que têm incorporados esses valores e preocupações.
Com mais de uma década de existência, quais os principais problemas com que se debatem na gestão financeira na Fundação do Gil? Sente que a componente legal está adaptada às vossas necessidades?
Os principais problemas na gestão financeira de uma organização como a Fundação do Gil não são muito diferentes das preocupações vividas pelas empresas com fins lucrativos. Apenas o fim último, difere. Não vivemos preocupados com o lucro mas sim com a sustentabilidade. Com a gestão de recursos escassos para fazer face a necessidades quase ilimitadas.
Não avançamos com nenhum projecto social, sem que ele esteja viabilizado por um período mínimo de tempo que nos dê fôlego para continuar a captar recursos e sem que tenha que ser interrompido. Quando falamos de vidas de crianças, não podemos correr riscos. Não podemos decidir fechar um projecto social. Não podemos devolver crianças aos hospitais, porque ficámos sem recursos financeiros para sustentar os projectos. Pelo que, a pressão que sofremos, não é por parte dos stakeholders, mas sim da vida das crianças.
Quando me fala em componente legal imagino que me esteja a falar dos benefícios fiscais que gozam as empresas pelo facto de nos apoiarem. A lei do mecenato apenas favorece as grandes empresas – permite uma majoração no custo do donativo até ao limite de 8 por mil do seu volume de negócios. E penso que seria útil fazer um ajustamento que permitisse às pequenas e médias empresas (PME) usufruírem desse tipo de benefícios. Desde logo, pela lógica do nosso mercado, em que mais de 80% das empresas são PME e porque importa mobilizá-las nesta responsabilidade conjunta.
Quais os meios de financiamento da Fundação do Gil? Tem a percepção que, pela natureza da vossa instituição, necessitam de clarificar com maior cuidado onde é gasto o vosso dinheiro?
A Fundação do Gil, desde a sua génese, tenta envolver todos os intervenientes no seu trabalho social: Estado, tecido empresarial e sociedade civil. Os nossos meios de financiamento vão desde o fundraising normal, patrocínio e à venda de produtos de marca própria. A GIL é uma marca registada e, através dela, podemos criar produto ou licenciá-lo.
Definimos um conjunto de parceiros e acções que nos permitam viabilizar cada projecto social.
A necessidade de transparência na utilização dos fundos é-nos genética, pelo que fazemos questão de ter uma contabilidade por centros de custo (por projecto social) e de a divulgar a todos os nossos parceiros.
Fazemos relatórios de impacto social e de utilização de recursos. As nossas contas estão disponíveis para serem consultadas por qualquer pessoa que mostre esse interesse.
Ao nível dos protocolos, como são estabelecidos e como é feita a gestão financeira com base na relação com estes parceiros?
A Fundação tenta procurar parceiros que se adeqúem aos projectos sociais em que se envolve – sejam parceiros operacionais ou de carácter mais financeiro. São sempre estabelecidos protocolos onde ficam acordados direitos e obrigações e, posteriormente, são sempre enviados relatórios de concretização das acções e de resultados alcançados, tanto ao nível da operação como a nível financeiro.
Cada projecto tem uma gestão própria e, por isso, é-nos muito fácil estar em permanente contacto com os parceiros e envolve-los, de facto, no nosso projecto. Penso que essa tem sido a receita do nosso “sucesso” junto das empresas.
Do seu ponto de vista, quais são as mudanças que necessitam de ser introduzidas, ao nível da gestão financeira, que conduzam a alterações estruturais?
A gestão financeira está, regra geral, mal conotada, por via de maus exemplos de apropriação de fundos, de falta de transparência e seriedade. Embora, felizmente, não seja um mal global, a verdade é que a má publicidade vive mais tempo que a boa. Como tal, a desconfiança sobre a área financeira é sempre uma sombra que paira no ar. Parece-me que o facto de a informação financeira ser, por vezes, complexa na forma, para o público em geral, também não facilita essa credibilidade. Por inúmeras vezes, oiço as pessoas queixarem-se de não entenderem os relatórios e as informações financeiras das organizações. No caso das instituições do terceiro sector, penso que seria muito útil que a informação fosse clara, simples e de acesso generalizado. Assim, quer as instituições, quer a área financeira em geral, poderiam contribuir para uma maior credibilização.