Em Novembro de 2010, a MetLife adquiriu a Alico. Tratando-se da maior seguradora do ramo Vida dos Estados Unidos e uma das maiores do mundo, que repercussões e desafios trouxe esta união à sua gestão financeira?
A MetLife é, de facto, uma organização de enorme alcance, sendo não apenas a maior seguradora de vida dos Estados Unidos, mas também a nível mundial. Naturalmente que, por ser uma empresa diferente, existe sempre uma adaptação de processos que tem que ser feita, mas a verdade é que a própria Alico já era um dos maiores players globais no sector segurador, pelo que a sua gestão financeira e os desafios inerentes já eram o de qualquer empresa integrada num grupo internacional. Ambas as empresas têm a sua base operacional nos Estados Unidos e obedecem aos mais exigentes sistemas de contabilidade e gestão financeira do mundo, padrões que se mantêm naturalmente a nível local, com auditorias frequentes para as quais qualquer empresa pertencente a uma multinacional tem que estar devidamente preparada.
A Alico agora MetLife goza da particularidade de ter sido a primeira seguradora estrangeira a entrar em Portugal, há 26 anos. A tarefa de um director financeiro será hoje diferente daquela que era a de outro gestor nessas funções na altura, dada até a evolução da seguradora. O que mudou no papel do CFO (Chief financial officer), este é cada vez mais um parceiro estratégico do CEO de uma empresa?
Julgo que cada época tem os seus próprios desafios e que cada mercado apresenta as suas próprias especificidades. O papel do CFO é acompanhar a todo o momento a evolução dos mercados e da própria empresa, constituindo um dos pilares fundamentais na definição e decisão estratégica numa organização.
A Alico foi efectivamente a primeira seguradora estrangeira a entrar no mercado nacional já há mais de um quarto de século, o que por si só representou uma responsabilidade acrescida. Existiu uma necessidade de adaptação de processos, mas também de implementar uma cultura internacional a uma realidade local. Paralelamente, o mercado foi progressivamente evoluindo, os consumidores tornaram-se mais exigentes, houve mais seguradoras estrangeiras a entrar no país, a gestão financeira tornou-se mais complexa e nós, naturalmente, acompanhámos essa evolução e fizemo-la reflectir na nossa gestão, beneficiando do facto de pertencermos a um grupo internacional, o que nos permitiu em algumas situações e matérias posicionarmo-nos à frente do mercado.
Por altura da Conferência CFO Circle, o CFO de uma outra companhia de seguros a operar em Portugal encarava que já não há CFO, há chief value officers. O contexto de crise económica transformou a gestão financeira de uma seguradora como a MetLife?
Ao longo da história da Alico em Portugal sempre fomos uma seguradora internacional com um alcance local e a gestão financeira foi sempre encarada como uma forma de criação de valor, e não apenas como uma componente necessária ao funcionamento regular do negócio e cumprimento das exigências regulamentares. Embora em períodos de menor crescimento e de crise económica o papel do CFO ganhe maior relevância, penso que a sua importância é sempre essencial, sendo as organizações que assim encaram a função financeira as que melhor estão preparadas para enfrentar os períodos mais adversos. Assistimos igualmente e no âmbito do Solvência II a uma mudança que resultou no facto da gestão e requisitos de capital passarem a ser efectuados com base no conceito de valor e risco, exigindo ao CFO uma maior versatilidade na sua função e um profundo conhecimento dos condutores de valor e risco do negócio e mercado.
No entanto, existiu e existe um factor que é transversal à actividade da Alico, desde o CFO ao estagiário, passando pelo CEO, que é o comprometimento com a criação de valor para a empresa. É esse objectivo que rege a nossa cultura de trabalho, independentemente de estarmos, ou não, num período de conjuntura económica adversa como é a actual. Esta realidade, que se aplica também à MetLife, implica que a gestão financeira da empresa não tenha que se adaptar à crise, mas sim que seja capaz de antecipar os seus efeitos e continuar a criar valor. Naturalmente que um período de crise pode implicar um maior controlo de custos e ponderação de investimentos, mas esses são princípios que caracterizam a nossa gestão em qualquer altura.
O sector segurador recuperou em Portugal, no ano transacto, o ritmo de crescimento da sua produção, que ascendeu a mais de 16,3 mil milhões de euros o correspondente a quase 10% do PIB , o maior nível jamais alcançado no nosso mercado, crescimento a que não é alheia a expansão do segmento Vida. Como analisa este crescimento?
O mercado segurador português registou efectivamente um crescimento relevante no segmento de Vida e, mais precisamente, nos produtos de capitalização, como consequência da grande instabilidade registada nos mercados financeiros no decurso de 2010. É um sinal de que os portugueses privilegiam a segurança não apenas do seu presente, mas também do seu futuro. Vivemos tempos de alguma incerteza e o mercado segurador, em geral, e a MetLife Portugal, em particular, apostam precisamente na manutenção de estabilidade, de controlo de risco e acautelamento de opções. Os clientes, não só famílias e particulares, mas também empresas, estão cada vez mais sensíveis à importância de prevenirem cenários e investirem no seu futuro. Também as próprias empresas do sector, tanto as multinacionais como as locais, estão cada vez mais competitivas e com uma oferta mais diversificada, o que contribui, sem dúvida, para a dinâmica que se vem verificando nesta área.
Entende ser este um crescimento sustentado face aos ciclos económicos e aos valores praticados pelos contratos, ou seja, antevê a continuidade desta rentabilidade a longo prazo?
No seguimento do que disse anteriormente, considero que, neste momento, o mercado segurador nacional já possui uma maturidade suficientemente consistente que nos permite dizer que este crescimento não está dependente de ciclos económicos, mas sim de uma consciencialização crescente dos consumidores e investidores portugueses sobre a relevância do sector segurador como porto de abrigo em momentos mais adversos. Uma boa prova desse crescimento é a liderança que a Alico Portugal, agora MetLife, conseguiu alcançar no muito competitivo segmento dos acidentes pessoais, o que aconteceu no início do ano passado, em plena crise financeira.
Um clima de incerteza nos mercados financeiros incrementa a agressividade do mercado?
Não gosto muito de utilizar a palavra agressividade, julgo que é demasiado contundente. Prefiro determinação e compromisso. Efectivamente, num período conturbado a pressão por resultados pode aumentar exponencialmente para empresas que não estejam devidamente preparadas para acautelar períodos de menor fulgor, mas para outras organizações a determinação em conseguir novos clientes é a mesma de sempre. Adicionalmente esta incerteza pode criar oportunidades de negócio e potenciar inclusivamente a criação de novas soluções, às quais a MetLife está sempre atenta. A MetLife tem feito uma aposta fortíssima no marketing directo, nomeadamente a nível de internet e telefone, no entanto, essa aposta não é de agora, mas sim uma estratégia continuada que continuaremos a implementar.
De acordo com o Edelman Trust Barometer 2011, os seguros, serviços financeiros e a banca estão posicionados num lugar menos confortável no que respeita à confiança dos portugueses (31% para os três). A que atribui este défice de confiança no sector?
Os sectores que referiu, na qual se incluem os seguros, dependem efectivamente de algo que é intangível e difícil de medir de forma precisa: a confiança. A relação que uma família, particular ou empresa estabelece com um banco ou uma seguradora é normalmente de longo prazo, sendo por isso natural que haja uma maior exigência. São sectores que têm um impacto fortíssimo na vida das pessoas, que confiam as suas economias e investimentos a determinados produtos e serviços e que confiam em pessoas qualificados que os aconselhem.
A volatilidade e as crises registadas nos mercados financeiros não têm contribuído positivamente para a imagem do sector financeiro. A juntar ao mencionado anteriormente, quando vêm a público notícias sobre fraudes, bónus escandalosos, reformas milionárias, essas relações de confiança são afectadas e soçobradas. Em particular em relação à banca, tem existido em Portugal uma conotação negativa que não tem razão de ser, mas que obviamente tem os seus efeitos, como bem atesta esse indicador que mencionou.
É inevitável a um CFO de uma empresa a operar em Portugal pensar nas consequências do resgate financeiro pelo FMI?
Obviamente que é um acontecimento que suscita apreensão não apenas na qualidade de CFO da MetLife, mas também como cidadã portuguesa. Uma intervenção do FMI terá efeitos importantes sobre pessoas e empresas e, consequentemente, causará também um impacto no mercado segurador. Acima de tudo, o grande desafio para o mercado é estar preparado para responder às frustrações dos seus clientes e apresentar soluções para as suas dificuldades. Será, nomeadamente, um período em que a poupança e a percepção de necessidade de protecção assumirão um papel essencial, sendo que essas são, de resto, as áreas em que a MetLife é mais forte.
Face à união das duas companhias internacionais Alico e MetLife , numa óptica de consolidação, pode falar-se de uma nova perspectiva de negócio para 2011?
Falando apenas em termos de operação local, nós continuamos a ser a mesma equipa de especialistas a operar no sector, mudámos efectivamente de nome, mas o nosso ADN mantém-se, pelo que os nossos stakeholders podem continuar a esperar de nós o máximo de empenho e dedicação e a garantia de que todos os dias trabalhamos para servir o nosso cliente cada vez melhor. Naturalmente que a junção com a MetLife poderá trazer algumas alterações e um dinamismo diferente ao negócio. Poderá sentir-se, sobretudo, ao nível da comunicação com o Snoopy como embaixador da nossa nova Companhia e também ao nível do nosso portfólio de produtos em que, naturalmente, iremos importar algumas best practices dos EUA. Mas, reforço, a nossa equipa e o nosso ADN mantêm-se.