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#30 | JUNHO 2010
CARLA CONDE
Directora de Recursos Humanos da Eurest
"A formação faz parte do nosso código genético"

A Eurest conta, em Portugal, com cerca de 5 mil trabalhadores. Qual é o vosso maior desafio na gestão de colaboradores, com a particularidade de se encontrarem tão dispersos geograficamente?
É difícil eleger só um desafio. Vários factores concorrem entre si na gestão de um número de pessoas tão elevado, geograficamente dispersas e em constante rotação. Considero que o processo de comunicação, no seu sentido mais lato, é o nosso maior desafio.
Uma das características específicas mais determinantes do mercado onde actuamos, para a gestão das pessoas dentro da organização, é o facto de o Contrato Colectivo de Trabalho permitir que, em caso de transferência de concessão, os colaboradores tenham assegurado o seu posto de trabalho. Esta garantia, fundamental para propiciar a estabilidade da relação laboral, coloca, no entanto, diversos desafios.
Desde logo, sempre que ganhamos uma concessão de um refeitório, os trabalhadores são integrados na Eurest, e, apesar do número médio de funcionários ser relativamente constante, as equipas que trabalham nos refeitórios, podem mudar. A rotação que se verifica, não é o tradicional turnover, está, antes, condicionada pelo ganho ou perda de negócio.

Daí que o processo de comunicação assuma uma enorme importância...
É necessário garantir que todos os que passam a integrar a equipa Eurest conhecem e aplicam os procedimentos internos, seja na área de RH, Qualidade, Compras ou Financeira. Garantir que, literalmente, de um dia para o outro, as pessoas passem a vestir a camisola da empresa e, simultaneamente, assegurem um serviço de qualidade ao clientes/utentes, é um desafio permanente.
O processo de comunicação tem de estar suportado em procedimentos claros e exequíveis, mas tem, sobretudo, de passar pela disponibilização de ferramentas de comunicação eficientes.

Mais complexa ainda é a transmissão da cultura da empresa...
Algumas pessoas que trabalham na área da restauração já passaram por experiências muito duras ao nível das relações laborais, chegando, por vezes, magoadas e desconfiadas no que toca às intenções da entidade empregadora.
Reajustar mentalidades e comportamentos, é complexo, moroso e um exercício permanente. Voltando à pergunta que colocou, a dispersão geográfica é só mais um detalhe. Ocasionalmente, quando perdemos um negócio para a concorrência, vivemos sentimentos mistos. Por um lado, a satisfação de termos conseguido integrar a equipa na Eurest e do reconhecimento que existe no mercado em relação à qualidade dos colaboradores da empresa. Por outro lado, existe uma sensação de perda, não só pelo esforço e investimentos no desenvolvimento da equipa, mas também porque esse trabalho vai inevitavelmente beneficiar a concorrência.

Uma das formas de optimizarem esta gestão de RH foi através da introdução de uma ferramenta informática que permite maior flexibilidade e transparência na relação com os colaboradores. De que forma este e outros suportes de apoio à gestão de RH podem melhorar, de acordo com as vossas necessidades?
Estou convencida que nas organizações, de um modo geral – e, em particular naquelas onde existe um elevado número de trabalhadores –, a transparência de processos é determinante para gerar relações de confiança, que contribuem, definitivamente, para a sustentabilidade do negócio.
Na Eurest, definimos, há cerca de quatro anos, qual o modelo de gestão da informação que pretendíamos, bem como a forma de implementação do mesmo. A prioridade foi, desde logo, a criação de uma base de dados robusta, para a gestão administrativa e payroll. Este processo é, em alguns casos, menosprezado pela gestão, e noutros pela própria direcção de RH. Mas, acredito, salvo melhor opinião, que é a base de todo o sistema. Primeiro, porque um payroll fiável é fundamental para a paz e estabilidade social, em particular numa empresa com as características da nossa. Em segundo lugar, e não menos importante, porque será a base e ponto de partida para qualquer aplicação de gestão de pessoas.

Como tem sido a introdução dessas ferramentas de apoio ao desenvolvimento dos colaboradores?
Todos os módulos foram desenvolvidos à nossa medida mas, deste conjunto de ferramentas, destacamos o módulo de formação. A nossa realidade traduz-se, numa elevada dispersão de unidades, rotação de pessoas, a que acresce diversas certificações – nomeadamente a ISO 9001, OSHAS 18001, HACCP e ISO 14001. Estas obrigam a um processo de formação contínuo, coordenado por diversos departamentos (Direcções de Operações, RH, Qualidade, Compras, Sistemas de Informação e Financeira). As acções são ministradas por formadores internos e externos, o que obriga a um esforço muito concreto no desenho do processo de gestão da formação.
Sistematizámos todos os cursos disponíveis, standardizamos processos, mas, essencialmente, procurámos garantir que toda a formação dada aos colaboradores é registada – o que para nós sempre foi um enorme problema, pela dificuldade em processar toda a informação em suporte papel.
Encontra-se também já em fase de produção, uma aplicação desenvolvida conjuntamente pela DRH e pela equipa de Sistemas de Informação, com o objectivo claro de controlar a gestão do trabalho temporário – visando assegurar o cumprimento da legislação laboral e o controlo de custos.
O próximo projecto, a entrar em fase de testes, será a validação de uma aplicação já existente no mercado para a gestão de escalas e trabalho suplementar. Temos unidades abertas todo o ano, e a grande maioria trabalha em regime de turnos (rotativos e fixos). Pelo que, esta aplicação, caso se ajuste à nossa realidade, será da maior importância para a gestão operacional, contribuindo, mais uma vez, para o cumprimento da legislação laboral e para uma gestão mais eficiente das equipas.

A maioria das empresas a operar em Portugal ainda olham com desconfiança para o trabalho à distância e à flexibilização. Pelo contrário, as multinacionais mostram-se abertas à via do “work life balance”, onde se procura conciliar o trabalho e a vida pessoal. Qual é a sua opinião sobre a implementação deste método de trabalho?
O Grupo Compass, a nível mundial, e a Eurest, em Portugal, estão claramente orientados para a promoção do equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. Sucede que, estas questões têm de ser analisadas com muito bom senso e rigor, para compreendermos como se podem adequar à realidade específica de cada negócio.
É difícil configurar, numa empresa como a nossa, a disseminação de um programa de trabalho à distância – por exemplo, para as equipas que trabalham num refeitório –, uma vez que é complicado imaginar como se podem confeccionar refeições ou atender o público, de outra forma que não seja presencial.
Mesmo a flexibilização de horários, afigura-se complexa de aplicar. Um cliente/utente quer as suas refeições servidas a horas e confeccionadas dentro dos mais exigentes padrões de qualidade. Por exemplo, num refeitório que só sirva almoços, as equipas são necessárias entre o início da manhã e a hora de almoço, não só para preparar e confeccionar os alimentos, mas também para servir a refeição e, posteriormente, para higienizar as instalações. Nestas condições, é, mais uma vez, difícil imaginar como poderia funcionar um refeitório com horários flexíveis.

Um estudo da Kelly Services concluiu que a formação que é dada pelas empresas aos seus trabalhadores “deixa muito a desejar, o que torna muitos profissionais portugueses inseguros sobre as suas competências”. O que falha na formação actual e como deve esta ir de encontro às necessidades futuras da carreira?
A formação faz parte do nosso código genético. Tal como já referi, não só o sistema de gestão da qualidade, como as diversas certificações alcançadas pela Eurest, são consequência e resultado de uma formação adequada e dirigida ao negócio.
Existem ainda, infelizmente, algumas organizações onde a formação não é uma valorização das pessoas e das suas competências, mas antes um “custo” a evitar. Dito isto, não podemos escamotear outras realidades que contribuem para as conclusões a que chegou a Kelly Services.
Recordo-me da afirmação de John Kennedy: “Não perguntes o que a tua pátria pode fazer por ti. Pergunta o que tu podes fazer por ela". Com as devidas diferenças, poderíamos aplicar a mesma frase à formação.
Alguns de nós, e refiro-me a técnicos, quadros médios e superiores, ainda encaram a formação de forma passiva. E há os que chegam a considerar que a maior vantagem das acções de formação é o coffee-break e a quebra da rotina. Quero com isto dizer que não estamos habituados a procurar formação que seja, de facto, adequada às nossas necessidades.
Muitos profissionais portugueses são inseguros quanto às suas competências, simplesmente porque nunca se preocuparam com o assunto, até serem confrontados com algum acontecimento que os faça reflectir sobre este tema – como tem sido, infelizmente, nos últimos tempos, o desemprego. Tenho conhecido pessoas que me dizem: “…eu gostava de frequentar esta ou aquela acção, mas a empresa não me dá formação”. E este é o tipo de atitude que nos deixa tão deprimidos quando olhamos para as estatísticas de produtividade.
Podemos sempre argumentar que a formação é cara, que não é acessível a todos. Mas não é argumento suficiente para justificar o desinteresse e a desresponsabilização pelo nosso desenvolvimento individual. Não vale a pena legislar e colocar a obrigação do lado das empresas, quando, em muitos casos, são os colaboradores que não estão interessados no seu próprio desenvolvimento.
Existe ainda outra realidade, e esta directamente relacionada com a posição das empresas: se muitas não investiram convenientemente em formação, outras gastaram avultadas somas em formações – para se concluir que não estavam alinhadas com as reais necessidades das empresas.

Porquê?
Porque, por vezes, os planos de formação eram iniciados “pelo telhado”, ou seja, fazia-se um plano, com módulos com descrições que enchiam o olho, mas não se fazia o trabalho de casa (o de construir o plano de formação pelos alicerces, e avaliar com rigor as necessidades da organização e, muito importante, as necessidades dos indivíduos em relação à tarefas que executavam na organização). Este foi, na minha opinião, o caminho que levou à afirmação contida na resposta anterior. E, mais uma vez, todos somos culpados e ninguém é culpado.
Acredito que a formação, numa empresa, tem de estar intrinsecamente ligada à identificação objectiva das necessidades da estrutura, quer seja para a prestação de um bom serviço, ou para a produção de um produto com qualidade. É da responsabilidade das equipas de gestão, nos diversos departamentos, em conjunto com os técnicos de recursos humanos, construir um plano de formação adequado. Não devem, nem podem ser, os recursos humanos de moto-próprio a elaborar planos de formação, onde definem o que acham que é adequado à empresa, só porque existe um budget que é preciso justificar.
Admito que, nalgumas empresas, seja muito difícil fazer as coisas de outra maneira. Mas, é claramente responsabilidade dos recursos humanos, orientar os trabalhos, de forma a assegurar a participação activa das diversas direcções ou departamentos, no processo de elaboração do plano de formação.
Não podemos, no entanto, ignorar, que a formação per si, não é solução para o desenvolvimento das pessoas. Há muitas outras acções que podem promover uma maior segurança quanto às competências de cada um. Mas, insisto, há uma enorme responsabilidade individual, nesse processo de valorização das competências.

O absentismo é uma das principais “dores de cabeça” das empresas. Como pode o DRH agir, com vista a debelar este problema?
Este é um fenómeno complexo, pela diversidade de factores que concorrem para o mesmo resultado. Sem contar com o absentismo não controlável (nojo, parentalidade, etc.), o restante pode ser parcialmente controlado, se apostarmos no desenvolvimento de processos robustos de comunicação dentro das organizações. Muitos dos problemas do absentismo, os chamados “factores push” (riscos laborais, clima social, organização do trabalho) são condicionados pelos factores “moduladores de absentismo”.
Dito de outra forma, existem, nas organizações, certos factores, como o clima laboral e organização do trabalho, que podem acentuar a predisposição para o absentismo. Contudo, o que parece, à partida, uma fatalidade, pode ser mitigado ou até mesmo reduzido, dependendo das políticas de gestão do absentismo e da cultura organizacional existentes.
Para o absentismo “parcial”, atrasos, faltas parciais ao serviço, os sistemas de controlo de tempos, eg. relógios de ponto,  revelam-se  dissuasores de comportamentos absentistas. Não só porque o potencial absentista se sente mais controlado, mas também porque o colega prejudicado com estas atitudes se sente, por seu lado, mais protegido e menos “injustiçado”.
Sou da opinião que, para contrair a predisposição absentista, é necessária uma forte aposta na proximidade quer junto das chefias, quer na motivação das pessoas. Este trabalho terá de ser conduzido pela DRH mas sempre em estreita parceria com os diversos departamentos ou direcções da organização, quer sejam as equipas da operação ou equipas das áreas de suporte. Analisar, avaliar e agir em tempo real, contribui para a credibilização e reconhecimento deste esforço.
Afinal, os colaboradores percepcionam a tolerância da empresa para com os comportamentos reiteradamente absentistas, como um sinal de fraqueza da organização, contribuindo para alguma desmotivação junto dos mais cumpridores e dedicados.

Num cenário em que potenciar o talento de cada colaborador pode ser decisivo na sustentabilidade das organizações, sente que o DRH tem um papel importante de agente da mudança de mentalidades, facilitador no apoio às pessoas?
Claro que concordo que o DRH deve ser um agente de mudança e facilitador no apoio às pessoas! Há cerca de seis meses na Conferência mundial do Grupo Compass (em Chicago), foi pedido aos representantes dos recursos humanos de cada país, que dividíssemos o seu tempo tendo em consideração as tarefas que mais nos absorviam.
Antes desta análise individual, todos tínhamos concordado que a função de um responsável de RH deveria ser, sobretudo, estratégica, na definição e no apoio à gestão de topo. No exame de consciência, realizado individualmente e depois partilhado com os colegas, o resultado revelou-se surpreendente. Todos reconhecemos que dedicávamos muito tempo às tarefas operacionais, algum tempo ao desenvolvimento pessoas e projectos e, basicamente, nos “tempos livres”, quando tudo o resto o permitia, fazíamos uma “perninha” no planeamento estratégico.
A questão é a de saber se, bem no fundo das nossas consciências, já fizemos nós próprios essa mudança de mentalidades, ou se, pelo contrário, fizemos um facelift, (mas, na nossa cabeça, nada mudou). Só podemos ousar liderar este processo se, primeiro, soubermos qual o objectivo a atingir – porque temos de conhecer aonde queremos chegar enquanto gestores de pessoas dentro das organizações. O talento de cada colaborador deve ser potenciado, não só pela DRH, mas, sobretudo, pelas pessoas e pelas equipas onde esses talentos trabalham.
A tarefa da DRH, é, no meu entender, formar e apoiar as pessoas que dentro da organização são os responsáveis pelo trabalho destas pessoas. São eles que melhor conhecem os pontos fortes e menos fortes dos talentos que querem desenvolver.

Considera que, actualmente, há uma linha ténue entre moderar os salários e limitar o talento?
Defender a redução de salários como meio de combater a actual situação económica, parece-me de uma falta de imaginação confrangedora e revela preguiça mental para avaliar a situação de diferentes perspectivas. Portugal é um país de baixos salários e de baixa produtividade. Logo, há muitos factores a analisar e para os quais urge definir planos de acção.
Infelizmente, ainda parecem existir mais “patrões” e menos gestores. O que os distingue é que estes últimos preocupam-se com a sustentabilidade – não só do seu negócio, mas também da sociedade. Que fique claro que os “patrões” apesar de poderem ser “pseudo-gestores” por conta de outrem, não significa que sejam efectivamente donos do negócio. Refiro-me, sobretudo, às atitudes e ao modo de encarar os desafios.
No caso concreto do talento, pode ocorrer que a moderação salarial possa limitá-lo – mas não me parece que seja muito relevante. As pessoas com talento encontram formas de mitigar e ultrapassar a questão do salário – afinal, se são talentos, esse potencial acabará por vir ao de cima. Não acredito que ninguém que tenha talento, o perca por causa da questão salarial. Se ocorrer, é porque, provavelmente, houve um erro de avaliação.
Preocupa-me muito mais o que a moderação salarial pode fazer a todos os outros – os tais 70% de que fala Jack Welch. Estes são a maioria na empresa. Sem eles, a organização corre o risco de definhar. Mas são estes que são afectados pela contenção salarial. Os outros 20% de talentos irão encontrar uma alternativa de motivação que não passa só pelo salário.

Biografia
Carla Baptista Conde é licenciada em Direito pela UAL, com pós-graduação em Direito Administrativo pela UCP e em Gestão de Recursos Humanos pelo INDEG-ISCTE.
Iniciou a vida profissional em 1988, na área da restauração e hotelaria, na direcção financeira e, posteriormente, em F&B. A partir de 1990, até 1998, viveu o boom do sector informático em Portugal, tendo exercido funções, primeiro no departamento financeiro e depois na área de RH. Entre 1998 e 2000 dedicou-se a tempo inteiro ao estágio profissional de advocacia. Mas o gosto pela gestão sobrepôs-se e levou-a a seguir outro rumo. Nos cinco anos seguintes, foi responsável pela equipa de RH na SAS Autosystemtechnik, empresa alemã especializada na montagem de cockpits. Entre 2003 e 2005 coordenou, ao nível ibérico e a partir de Espanha, 5 fábricas, 1 em Portugal e 4 em Espanha.
Como não há a amor como o primeiro, decidiu regressar à restauração e, actualmente, trabalha na Eurest Portugal, líder destacada no seu sector de actividade, onde coordena a equipa de RH.

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