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#292 | FEVEREIRO 2010
MARCO PAINHO
Professor Catedrático do ISEGI da Universidade Nova de Lisboa
"Os sistemas de informação de gestão documental são uma cópia do sistema caótico em papel"

A gestão de informação na Administração Pública (AP) é um tema de que já se fala há algum tempo. Que evolução houve desde que o sector público se começou a dedicar à utilização de sistemas para melhor gerir a sua informação, até hoje?
Nós temos sistemas de processos dentro da AP que têm estruturas tão complicadas que são quase caóticas. O que se passou em muitas instituições foi, de facto, a informatização, ou seja, passar os documentos para formato digital. Nesse sentido, desde que eles sejam bem catalogados são, de facto, de acesso muito mais fácil. No entanto, quando se deu esse salto, não se aproveitou para transformar um processo que é caótico num processo simplificado. Portanto, aquilo que nós temos, em muitos casos, é sistemas de informação de gestão documental que são uma mímica, uma cópia do sistema caótico em papel. Gestão documental sempre houve. À mão, em dossier, sempre se fez. O que acontece hoje é que se faz de forma automatizada, mas não de forma eficiente, mesmo porque muita dessa gestão está relacionada com a nossa lei, que é bastante complexa, e com o código do procedimento administrativo, que obriga a inúmeras voltas dos papéis dentro das instituições, a pareceres, a despachos... Enquanto não se simplificar isso, vamos ter sistemas informáticos sempre demasiado complexos, o que é óptimo para os consultores, que assim têm imenso trabalho a informatizar sistemas caóticos. Não constitui, no entanto, um grande avanço para o país.

Que tipo de soluções criaria para tentar colmatar esta situação que descreve?
Eu acho que as pessoas em vez de partirem imediatamente para a gestão documental, aquisição de sistemas, etc., deveriam gastar bastante tempo, muito tempo mesmo, na análise dos procedimentos internos. Ter uma equipa interna ou externa (normalmente será externa) que se dedique a perceber como é que esses procedimentos são feitos na actualidade, documentá-los, e depois não ficar por aí, como acontece actualmente. Em vez de se partir para um sistema que se vai limitar a fazer uma cópia desses procedimentos, deveria propor-se a simplificação completa dos mesmos, tanto quanto a lei o permita, de modo a que posteriormente se possa informatizar. Não adianta informatizar sem conhecer bem os processos.
O interior do sistema de informação é um verdadeiro caos. Cada vez que se quer mudar qualquer procedimento é uma complicação, o que traz implicações em todos os lados fazendo com que os sistemas rapidamente se tornam obsoletos e as pessoas não os usem, por não conseguirem obter as respostas que necessitam, começando a criar vias paralelas em formato papel.

No sector privado, a gestão de sistemas de informação é um factor chave na criação de valor acrescentado e das vantagens competitivas para a empresa, ajudando a defendê-la de ameaças provenientes da concorrência. O mesmo se poderia dizer em relação ao sector público?
Obviamente que a gestão de informação é um factor que ajuda na competitividade das empresas, sem sombra de dúvidas. Mas, enquanto cidadãos, nós detectamos permanentemente que há falhas e que os sistemas não estão eficazes. Mas é claro que não deixa de ser um factor de competitividade grande, e para AP também. Claro que hoje em dia eu chego a uma instituição, peço um documento e a instituição em segundos ou em minutos consegue encontrar o meu processo e ter tudo o que diz respeito a mim ali em três tempos, em oposição há 15 anos, em que quando chegávamos a esse mesmo serviço, ninguém sabia onde estava o processo, que acabava por ser encontrado ao fim de quatro semanas. Portanto, obviamente que há vantagens para todos, para o Estado e para nós, que somos os beneficiários do trabalho do Estado, em que esses termos estejam em funcionamento e bem.

O turbilhão de acontecimentos externos obriga as organizações a enfrentarem novas situações, resultado de mudanças das envolventes. Poderá a complexidade do meio ambiente ser um dos principais responsáveis pela necessidade de obter melhores recursos e de optimizar a sua utilização?
Sim, claramente. Por exemplo, nós aqui na Universidade, nos últimos quatro anos, temos tido imensas leis novas, nomeadamente através do processo de Bolonha, que têm muitas implicações no modo de funcionamento das instituições. Não é só aquilo que se vê por fora, do ensino que é oferecido, mas depois todo o sistema que está por trás, que apoia uma mudança no tipo de ensino. E, de facto, sem sistemas de informação que tenham a flexibilidade adequada, é muito difícil hoje em dia de dar resposta permanente porque está sempre tudo a mudar. Um bom exemplo disso são as empresas de telemóveis, que têm de oferecer praticamente mensalmente/semanalmente planos diferentes por causa da concorrência e que têm de ter um sistema de informação que seja capaz de acompanhar essas mudanças porque senão ficam para trás. É claro que a AP não está propriamente numa situação de concorrência como estão as empresas privadas, mas se quiser dar resposta às mudanças que acontecem, as legislativas e as outras, é muito difícil fazê-lo sem um sistema de informação capaz. Por isso é que as organizações que optaram por fazer cópias em formato digital daquilo que já acontecia em papel, terão muita dificuldade em adaptar-se. Portanto, há que simplificar processos e só depois, então, informatizá-los.

“Gerir a informação é, assim, decidir o que fazer com base em informação e decidir o que fazer sobre informação. É ter a capacidade de seleccionar dum repositório de informação disponível aquela que é relevante para uma determinada decisão e, também, construir a estrutura e o design desse repositório”. (Zorrinho 1995, p.16) Pode comentar?
Há dois pontos fulcrais nessa afirmação. Um, tem a ver com o facto de nós tomarmos melhores decisões quando temos acesso fácil a informação relevante. O outro, é que isso só acontece se a informação estiver bem estruturada e bem organizada. E isso não acontece quando temos sistemas de informação que são mímicas dos sistemas antigos de funcionamento. Se a informação não estiver bem estruturada, o acesso é difícil e exige da parte dos utilizadores um grande conhecimento do sistema para chegar à informação que se quer, e não é isso que se pretende. O que se pretende é que qualquer pessoa, não especialista, consiga aceder de forma fácil à informação que precisa.

Então à partida o grande problema da AP será, no fundo, a falta de organização a nível da estrutura interna...
Sem dúvida. É o mesmo problema da Loja do Cidadão, que também é baseado em sistemas de informação. A Loja do Cidadão foi, de facto, um passo fantástico. As pessoas nem queriam acreditar que chegavam à Loja do Cidadão e tratavam de tudo. Mas na realidade, aquilo que se fez foi facilitar o acesso mas os procedimentos não mudaram em lado nenhum. Vou-lhe dar um exemplo pessoal: eu perdi a carteira na rua, o que foi uma grande dor de cabeça, não só por ter perdido as coisas que lá estavam dentro, mas por pensar em como iria agora tratar dos cartões todos outra vez. E disseram-me que havia agora um novo serviço na Loja do Cidadão que se chamava “Perdi a minha carteira”. Eu fui lá, e de facto isso existe. A pessoa chega, é atendida por uma pessoa só, mas os sistemas de informação não estão integrados. E, portanto, o senhor que me atendeu cobrou-me X para a carta de condução e pôs num saquinho, cobrou-me Y pelo bilhete de identidade e pôs noutro saquinho. E depois ele, pessoalmente, pegou nos dois saquinhos e, enquanto eu fiquei à espera, foi ele próprio à Direcção Geral de Viação, e a todos os outros sítios, levar o dinheiro. Obviamente que isto facilita, para mim foi óptimo, como é óbvio, mas não está baseado num sistema de informação. E, portanto, é esse passo que agora se deveria dar. Aliás, o Cartão do Cidadão, é uma tentativa de juntar os sistemas de informação de forma a que, de facto, as coisas funcionem.

A gestão da informação tem como objectivo apoiar a política global da organização. Em que sentido é dado este apoio no sector público? A gestão de informação é o grande suporte da AP?
É e sempre foi. Há dois grandes níveis de decisão na AP. Um deles, tem a ver com a decisão política: pode ou não ser informado. Isto é, há decisões políticas que necessitam de estudos, de informação de suporte, mas há outras que têm a ver com opções de filosofias, de princípios políticos, etc. Falando só naquela que diz respeito estritamente à administração das coisas (do território, das nossas vidas, etc.), sempre se tomou decisões com base na informação. E porque assim é, é que a questão da informação é muito importante. Porque nós tomarmos as nossas decisões com base na informação que existe, ou na falta dela, e se não tivermos acesso à informação correcta, tomamos más decisões. Aquilo que se pretende agora é que quando temos de tomar uma decisão de alto nível, (construir um hospital novo ou autorizar que uma pessoa construa uma casa) que o façamos com acesso à melhor informação que existe, para tomarmos a decisão mais correcta.

Segundo Wilson (1989), a gestão da informação é entendida como a gestão eficaz de todos os recursos de informação relevantes para a organização, tanto de recursos gerados internamente como os produzidos externamente e fazendo apelo, sempre que necessário, à tecnologia de informação. Na sua opinião, quais são as condições essenciais para que um sistema de gestão de informação seja eficaz, fazendo ou não apelo à tecnologia de informação?
A gestão da informação sempre existiu. A partir do momento em que as pessoas começaram a adquirir conhecimento, começaram a geri-lo. Hoje em dia, não faz sentido fazer a gestão da informação sem recorrer às tecnologias, até porque já nem sequer temos os recursos humanos ou a capacidade para o fazer de outra forma. Bem ou mal implementado, está tudo informatizado. Hoje não faz sentido falar da gestão da informação sem fazer o recurso às TI.
Outra questão tem a ver com os recursos internos e os recursos externos. Nós somos responsáveis por (e isto na AP é muito relevante), dentro da nossa instituição, fazer a melhor gestão possível da informação que temos. Na AP essa deve ser a prática, em oposição à privada, que é outro mundo, devido aos problemas de concorrência, etc. Na AP, só faz sentido que os organismos públicos partilhem os recursos que têm entre si, de forma eficiente, através das tecnologias de informação, nomeadamente, através da Internet. Mas nós ainda não demos esse passo. Ou demos, mas muito timidamente. Nós produzimos informação de forma redundante. Por exemplo, um estrangeiro que perde um visto tem de entregar o certificado de nascimento em n sítios em Portugal (embaixada, SEF, etc.). Ainda não chegámos ao ponto em que os serviços da AP tenham sistemas de informação tão eficazes, que não só prestam serviços internos (de consulta) mas que também permitem que outros serviços da AP, devidamente autorizados, possam ir lá buscar informação, sem que os documentos tenham de andar a ser todos duplicados em n sítios. As coisas só deveriam estar registadas uma vez. Portanto, essa parte dos serviços externos de que falou é muito importante para tornar isto tudo mais eficiente e mais simples.   

Que tipo de alterações provoca a introdução de sistemas de informação/tecnologias de informação a nível das relações da organização com o meio envolvente e ao nível de impactos internos da organização (analisados em termos de eficácia e eficiência)?
Começando pelo fim, ao nível dos impactos internos pode até ser um pouco difícil na medida em que o facto de aproveitarmos a passagem do papel para a utilização das novas tecnologias de informação para refazer os nossos processos, normalmente acarreta mudanças de funcionamento dentro das instituições. Isto, porque há uma parte do procedimento, uma parte da tramitação da informação, que era feita por pessoas, e que passa a ser feita pelas tecnologias. Há um reposicionamento das pessoas, com funcionalidades diferentes. O que muitas vezes acontece é que essas pessoas não têm os skills necessários para assumir as novas funções, o que causa alguns problemas. Este é um problema laboral. Depois, há um problema de poder. Como a informação é importante, as chefias intermédias dentro das instituições e aquelas pessoas que filtram a informação que chega à Administração, etc., também podem perder algum protagonismo. Portanto, se houver uma análise e um refazer total dos procedimentos, obviamente que isso causa mudanças dentro das instituições.
No que se refere ao impacto externo, este passa por a organização tornar-se mais eficaz em relação a outras instituições, com todas as vantagens que isso traz para a instituição e para o que serviço que presta, seja público seja privado.

Em relação àquilo que referiu sobre as pessoas dentro da AP que deixam de ter as competências necessárias para se adaptarem à nova tecnologia... Como é que isto se poderia ultrapassar?
Portugal tem um grande problema, que é o baixo nível de educação da maior parte da população. O que é importante é que as pessoas tenham capacidade de mudar, mas as pessoas com menos instrução têm menos capacidade para tal. E não me refiro ao facto de a pessoa ter estudado mais ou menos tempo. O facto de estudar mais tempo, não significa que aprenda para o resto da vida, porque sabemos que não é assim. Hoje em dia sabemos que aquilo que aprendemos, ao fim de 5 ou 6 anos acabou. As pessoas têm de ir evoluindo. Só que o nosso cérebro tem de estar preparado para ir mudando, para ir gerindo mudança. Este é um problema nacional grave, nem sei bem como é que se resolve, mas talvez orientando as pessoas para aprenderem sozinhas e detectarem as suas próprias necessidades de formação.
Os sistemas de informação ajudam essas pessoas a tomar ainda melhores decisões. Mas reside absolutamente nos recursos humanos a riqueza principal da instituição. Por melhor que seja o sistema de informação, não vai substituir recursos humanos de qualidade.

Biografia
Marco Painho é Professor Catedrático do Instituto Superior de Estatística e Gestão de Informação (ISEGI) da Universidade Nova de Lisboa.
É licenciado em Engenharia do Ambiente pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, Master of Regional Planning (MRP) pela University of Massachussetts, Doctor of Philosophy in Geography (Ph.D.) pela University of California e Agregado pela Universidade Nova de Lisboa.
Para além das actividades docentes, desempenha no ISEGI as funções de Director, é coordenador do Mestrado em Ciência & Sistemas de Informação Geográfica (e-learning) e coordenador do Master of Science in Geospatial Technologies (Erasmus Mundus). Leccionou também no Mestrado em Sistemas de Informação Geográfica do Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa.
Os seus interesses académicos incluem Sistemas de Informação Geográfica, Sistemas de Informação de Recursos Naturais, Integração de Informação, Análise Espacial, Educação e SIG, Infra-estruturas de Informação e Ensino à Distância (e-learning)
É autor e editor de diversas publicações incluindo livros, capítulos de livros e artigos. Publicou em várias revistas e proceedings de conferências científicas nacionais e internacionais.

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