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#296 | JUNHO 2010
ANTÓNIO PIRES CAIADO
Professor catedrático no Instituto Superior de Gestão (ISG)
"A prática de apresentação de contas públicas não tem sido suficientemente transparente"

O Plano Oficial de Contabilidade Pública (POCP) veio tornar “obrigatória” a Contabilidade Analítica para as entidades subordinadas às suas normas, criando uma série de mecanismos conducentes ao efectivo apuramento de custos e proveitos. Qual acredita ser o contributo da contabilidade analítica para a tomada de decisões na AP?
Na Administração Pública os recursos são escassos, logo, devem ser geridos segundo critérios de racionalidade económica. A contabilidade analítica tem em vista analisar e tratar as informações referentes ao que acontece no interior das entidades, materializadas nos custos e proveitos, ou seja, a tradução em unidades monetárias (e sua recuperação) dos factores sacrificados para alcançar os objectivos subjacentes à missão definida.
A acção dos gestores deve-se logicamente pautar por critérios de eficácia e eficiência. Assim, as decisões devem ser apoiadas em informação adequada e que é produzida pela contabilidade analítica.
Por exemplo, não é indiferente o custo de formação de um estudante do ensino superior que assiste a aulas em sala normal com o de um outro que tem aulas práticas em laboratórios, porque o custo (amortização) dos equipamentos utilizados e dos materiais consumidos é bastante mais significativo. Também as aulas leccionadas por um professor catedrático e por um assistente têm um custo muito diferente, porque a remuneração/hora de ensino não é minimamente comparável.

Que obstáculos se colocam à implementação da Contabilidade Analítica na AP e que soluções lhes daria?
Atendendo ao âmbito e objecto da Contabilidade Analítica, a sua implementação obriga a reestruturações nos procedimentos administrativos associados à recolha e tratamentos das informações internas. Isto pressupõe a implementação de rotinas de funcionamento diário por parte das pessoas que prestam serviço nas entidades onde se encontram ligadas.
Para além da natural resistência à mudança por parte das pessoas que trabalham nos serviços e organismos públicos há ainda que contar com certos constrangimentos associados à falta de preparação técnica. Esta deve ser colmatada com formação devidamente orientada, a par da permanente motivação para a colaboração nestas tarefas de rotina.
Definido o modelo e dispondo de pessoas preparadas e motivadas há que contar com o suporte tecnológico. Hoje é impensável fazer apuramentos manuais como se fez durante muitas décadas. Estamos na era da informação e, como tal, devemos utilizar as tecnologias que estão ao nosso dispor. Mas estas têm que estar vocacionadas para cada uma das entidades que têm as suas particularidades. Este aspecto é muito crítico. Não basta comprar e instalar programas standard. É essencial que estes respondam às necessidades de informação de cada organismo cujos gestores têm as suas próprias capacidades e perspectivas pessoais.
Com vista a atenuar e a ultrapassar eventuais restrições na implementação do modelo deveria ser obrigatório o preenchimento de indicadores de desempenho que fossem obtidos a partir dos dados da contabilidade analítica e, como tal, auditáveis. Aliás, a avaliação de desempenho deveria privilegiar certa informação produzida pela contabilidade analítica ou interna.

E na Administração Local? Qual acredita ser o papel da Contabilidade Analítica?
A Administração Local dispõe de um plano de contas sectorial – o POCAL. Este considera uma contabilidade de custos desenhada segundo critérios relativamente simples. A contabilidade de custos é obrigatória no apuramento dos custos das funções e dos custos subjacentes à fixação de tarifas e preços de bens e serviços (cf. 2.8.3.1).
Assente no método de custeio directo, o cálculo dos custos em causa tem em conta os custos directos e indirectos relacionados com as funções de produção, distribuição, administração geral e financeiros. A imputação dos custos directos é feita com base nas quantidades de materiais, horas-homem e horas-máquinas utilizadas na produção de cada bem ou serviço. Os custos indirectos são imputados com base em coeficientes entre os respectivos custos directos e o total dos custos directos.
Os próprios documentos de suporte também estão previstos no plano de contas, o que constitui uma exigência que ultrapassa os procedimentos normais em matéria de normalização contabilística.
Embora se trate de um modelo relativamente simples, a sua implementação está ainda longe de ser geral.

Qual a influência da normalização contabilística sectorial (tendo em conta o recentemente aprovado Sistema de Normalização Contabilística) na prática da contabilidade analítica na AP?
O SNC entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2010 e revogou o POC. Este último já não dava grande importância à Contabilidade Analítica, embora fosse obrigatório a elaboração da demonstração dos resultados por funções para empresas com alguma dimensão. O SNC considera esta demonstração facultativa, o que vai levar a que seja descurada pelas empresas. Se não é obrigatório não se faz!
O problema decorre quando é preciso apurar os custos de certas actividades, medidas e programas, quer para eventual capitalização quer para justificar o financiamento. O que é feito na elaboração do orçamento é a previsão dos pagamentos previstos para o ano económico. No controlo orçamental segue-se a mesma perspectiva. Ora, a contabilidade financeira tem naturais dificuldades na individualização e imputação dos gastos porque está orientada para resumir as relações da entidade com o exterior. E em matéria de capitalização dos gastos? Aqui, não chega dizer que há uma norma que trata da matéria de imputação dos gastos indirectos. Para que isso seja exequível é preciso que a organização da estrutura de produção esteja preparada para individualizar os custos (gastos) de cada tipo de fabrico (bens ou serviços) para poderem ser imputados a uma obra, ordem de fabrico, projecto, … e então o respectivo custo poder ser transferido para a respectiva conta do imobilizado.
O próprio POC não privilegiou a normalização contabilística sectorial, como sucedeu em Espanha e em França. Nunca houve motivação para esta matéria. A orientação subjacente da CNC era o normativo do então IASC que não previa o modelo de normalização continental baseado em planos de contas. Os poucos exemplos que passaram pela CNC respeitaram a entidades da área do sector público e que vieram a ser enquadrados nos planos sectoriais do sector público.
Embora o POC tenha inspirado o POCP, em matéria de normalização contabilística sectorial este último foi bastante mais consequente. Se se quiser utilizar a óptica do acréscimo em todas as consequências na contabilidade pública não se esperem grandes contributos do SNC, a não ser o que consta da NCRF 18 em matéria de repartição dos gastos indirectos (fixos), aliás já previsto no POC de modo mais suave.

Qual considera ser o actual estado da organização das contas públicas? Acredita que é eficaz para a avaliação do desempenho?
As contas públicas estão organizadas segundo a óptica de caixa. Medem os fluxos caixa arrecadados e os fluxos de caixa pagos durante um exercício. Em diversas entidades em que aplicam um plano de contas público também resumem os custos incorridos e os proveitos reconhecidos. Mas são ópticas diferentes. A leitura da informação contabilística também tem que ser diferente. A óptica do acréscimo subjacente ao cálculo do resultado não pode ser vista como numa empresa do sector privado. Estamos normalmente em sectores que produzem serviços de âmbito social. Estes e a sua qualidade é que são relevantes. Mas não deve haver desperdícios de recursos porque estes são públicos, são de todos os cidadãos. Estes têm uma palavra a dizer.
A avaliação de desempenho deve também assentar em dados obtidos pela óptica de acréscimo ou económica. Esta é que mede o contributo de cada entidade para a produção de bens e serviços. Logo não se pode pedir à contabilidade pública uma contribuição que não pode dar para a avaliação do desempenho. Aqui há muita informação de carácter qualitativo. A de natureza quantitativa decorre da referida perspectiva económica dos resultados que está ainda longe de ser geral. Se não há informação adequada não se pode esperar grande contributo para a avaliação do desempenho.

A transparência das contas públicas é fundamental para que qualquer Estado mereça, aos olhos do cidadão, contribuinte ou parte interessada, a sua credibilidade. Pode comentar?
Ao nível dos princípios, qualquer cidadão está de acordo com a afirmação. Sendo contas públicas deveriam ser transparentes. Dito de outro modo, na sua elaboração devem ser seguidos as normas ou os cânones aplicáveis. O povo diz “quem não deve não teme!” A este propósito, um presidente de Junta de Freguesia do interior profundo teve a iniciativa de afixar, nos anos 70, em local público as contas da Junta de que era presidente. Foi uma atitude inovadora que lançou desafios aos sucessores.
A prática de apresentação de contas públicas não tem sido suficientemente transparente. As consequências são toda uma série de comentários que os leitores mais ou bem informados tecem a propósito de certas rubricas. Aliás, o exemplo da Grécia revela bem que também existe “criatividade” nas contas públicas. As consequências vieram depois com o descrédito dos credores sobre a informação produzida pela contabilidade pública.

Em que medida o SNC pode condicionar a comparabilidade pretendida entre a informação produzida pelo sector público e o privado?
Já referimos que o POC influenciou o modelo do POCP, dada a importância dada à comparabilidade da informação na elaboração das contas nacionais. Contudo, há particularidades que se aplicam apenas na contabilidade pública, como é o caso do controlo orçamental na óptica de caixa.
O SNC incorporou na contabilidade das empresas as normas do IASB adoptadas pela União Europeia. As empresas com títulos cotados em bolsas de valores já adoptavam as normas internacionais de contabilidade a partir de 1 de Janeiro de 2005. O SNC prevê ainda um modelo reduzido para as micro-empresas.
Entretanto, a IFAC (International Federation of Accountants) criou um comité encarregado de elaborar normas de contabilidade para o sector público (IPSAS), tendo já aprovado cerca de duas dezenas. Estas normas foram uma adaptação do IASB. Ao nível da União Europeia há diligências no sentido de os países membros virem a incorporar na sua contabilidade o conteúdo de tais normas.
A comparabilidade entre as contas elaboradas com base no POCP e no POC já não era completa. Com o SNC o problema agrava-se naturalmente. Em matéria de contabilidade financeira há que ponderar se vale a pena fazer uma adaptação do POCP ao SNC ou fazer um SNC que atenda simultaneamente ao SNC e às normas do sector público da IFAC. Esta última é que iria minimizar os problemas de comparabilidade da informação financeira. No entanto, cabe ao Governo tomar decisões sobra a matéria.

Nota: Poderá aceder à versão integral desta entrevista na última edição da revista Interface Administração Pública. Solicite-a através do e-mail .

Biografia
António Pires Caiado é Professor Catedrático no Instituto Superior de Gestão (ISG) e especialista em todo o tipo de temáticas relacionadas com contabilidade pública, contando com várias publicações sobre o tema.

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