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#300 | OUTUBRO 2010
ARMINDA NEVES
Coordenadora Adjunta da Estratégia de Lisboa
"Governação em rede, tirando partido das oportunidades das redes digitais, não significa apenas o seu uso, mas uma outra forma de estar e trabalhar"

Actualmente vivemos um novo paradigma no que respeita a governação pública: a governação em rede. Pode explicar em que consiste este novo modelo?
A governação em rede procura ajustar a governação à natureza complexa dos problemas que exigem actuação pública e que não se compadece com responsabilidades repartidas, antes exige co-responsabilização e intervenção activa de diversos actores. Esta necessidade é verdadeira inclusive no sector privado, mas ganha particular acuidade quando o que está em causa é mudar realidades sociais concretas. Claro que tem como contrapartida, considerando os conceitos atrás referidos, uma gestão que igualmente privilegie as redes como forma de trabalho, como forma de articular diferentes contributos em função de objectivos comuns.
Governação ou gestão em rede, tirando partido das oportunidades das redes digitais, não significa apenas o seu uso, mas uma outra forma de estar e trabalhar. Um corte de paradigma, da perspectiva taylorista e fordista para um paradigma sistémico que, aliás, não é recente, mas do qual ainda temos que tirar as últimas consequências. Num ser vivo complexo uma função não se consegue concretizar pela criação e funcionamento de um órgão, por melhor que este actue. Não temos só cérebro para garantir a função nervosa ou de comando, mas um sistema nervoso, formado por diversas partes em interacção entre si e com outros sistemas. Temos que aprender com a natureza e a biologia em particular, a olhar com outros olhos a governação e a gestão na concretização do papel do Estado, incluindo a sua articulação com os outros actores sociais e económicos.
Foi com estes desafios presentes que formulei um Modelo de Governação em Rede, incorporando cinco dimensões de análise, e testei a sua aplicação prática à macro estrutura de Governo em Portugal, no contexto da minha tese de doutoramento e publiquei recentemente o livro com o mesmo título, na editora Sílabo.

Quando e porque surgiu este novo paradigma na governação pública?
A noção de rede não é nova. Constitui um desenvolvimento da abordagem sistémica aplicada às organizações e à ciência administrativa em geral. Como se sabe, a abordagem sistémica decorreu, em particular, do confronto com a necessidade de adaptação constante às alterações de contexto. Para além desta exigência de adaptação, a governação e gestão da coisa pública viram-se confrontadas, sistematicamente, com as barreiras decorrentes das fronteiras inerentes às estruturas criadas, incompatíveis com a exigência da integração, indispensável à eficácia da acção. A especialização de cada entidade (Ministério ou organismo público) não dispensa a visão abrangente decorrente de se considerar como ponto de partida e de chegada a realidade social que se quer transformar, ou o problema que se quer que seja resolvido. Quando se parte de realidades complexas a resposta tem que ser pluridisciplinar e multi-institucional.
Por outro lado, a actuação do Estado deve decorrer sempre de uma relação de complementaridade com a sociedade, atendendo à sua capacidade de auto-organização na resposta às necessidades, não apenas económicas, mas também sociais, e também à natureza escassa dos recursos públicos, sendo fundamental a sua rentabilização.
Um funcionamento em rede não seria porém possível se não contássemos, nos tempos actuais, com as oportunidades que as tecnologias de informação e comunicação nos trouxeram.

O que se pretende com esta nova corrente? Quais os seus principais objectivos?
São múltiplos os contributos potenciais desta abordagem, dependendo sempre, porém, do modo como a mesma é aplicada.
De uma forma sintética, pretende-se:

  • Facilitar a orientação da acção pública dando um sentido comum aos diversos contributos específicos;
  • Facilitar a concentração na realidade que é objecto da acção pública, instrumentalizando as formas de intervenção ao serviço de objectivos concretos;
  • Uma maior integração da acção e complementaridade de políticas, potenciando assim sinergias entre actores;
  • Maior envolvimento e co-responsabilização dos diversos intervenientes na realidade, públicos e privados;
  • Rentabilização dos recursos públicos, pela partilha de papéis e responsabilidades e evitando duplicações e desperdícios;
  • Canais de comunicação fáceis e eficazes entre concepção, dinamização e avaliação das políticas públicas, tirando partido da experiência;
  • Melhorar a articulação entre níveis de governação (europeia, nacional, regional/local), reforçando o diálogo e a participação;
  • Aproximar a governação pública dos cidadãos, reforçando a cidadania e a responsabilidade social dos actores económicos e sociais.

Que lacunas vem preencher em relação ao modelo tradicional de governação?
O modelo tradicional de governação assenta numa estrutura de Ministérios, no pressuposto de que a intervenção pública se deve exercer centrada em domínios/sectores como a soberania, com a defesa ou a justiça, por exemplo; ou a economia com a agricultura ou a indústria; ou o social, com o trabalho ou o emprego ou a segurança social; ou o conhecimento (se o quisermos considerar já a par dos domínios atrás referidos), com a educação ou a cultura; ou ainda o território, com os equipamentos colectivos ou o ordenamento.
Porém a realidade tem imposto o desenvolvimento de estratégias horizontais, como a Estratégia de Lisboa, com o Plano Tecnológico, ou a agora Estratégia Europa 2020, com a sua aplicação a cada Estado membro, que implicam diversos sectores numa acção conjugada. Igualmente tem reforçado a necessidade de políticas mais sectoriais, mas que, porque centradas na resolução de problemas complexos, como a criação de emprego ou a redução da pobreza, exigem a convergência de acções de natureza complementar, hoje dispersas por vários ministérios e organismos públicos. A resposta tem necessariamente que passar pelo reforço do funcionamento de redes, incluindo nestas agentes públicos e privados.
No modelo tradicional, a relação entre a visão por sector e a visão centrada no território é fraca, para além da acção sobre o território ser demasiado fragmentada, não se ajustando aos problemas reais, e falhando a coordenação dessa acção, quando a avaliação dos resultados da implementação das políticas nos reflecte, sistematicamente, que a qualidade da implementação depende muito da sua proximidade da realidade. O diálogo entre as diversas intervenções sectoriais e o reforço das relações verticais mostra-se assim indispensável.
Também a relação entre a governação a nível nacional e europeu precisa de ser fortalecida, com maior integração das abordagens sectoriais hoje prevalecentes, quer a nível da União e da Comissão Europeia, quer a nível nacional. È necessário pois dar maior consistência à participação nacional na governação europeia, pela integração da sua coordenação no núcleo central da governação nacional e pelo reforço das relações em rede.
Eis apenas algumas, mas substanciais, diferenças quando se equaciona um modelo de governação em rede ou se considera o modelo tradicional de governação.

Como funciona exactamente este novo modelo? Quais as suas principais funcionalidades?
Do ponto de vista das funcionalidades ou programático, este modelo parte de um referencial de papel do Estado como garante da vida em comum e do bem-estar, numa perspectiva de desenvolvimento sustentável, quer no sentido da integração das dimensões económica, social e ambiental do desenvolvimento, quer no sentido de sustentabilidade, protegendo a qualidade de vida das gerações futuras, quer ainda na dimensão de coesão territorial e social.
As funcionalidades do modelo têm consequências concretas numa nova arquitectura orgânica, traduzidas em, por exemplo: num núcleo duro de governação onde a visão integrada da participação na governação europeia e da gestão interna são fortalecidas; na redução do número de ministérios, privilegiando a maior integração das políticas; uma relação matricial entre a especialização sectorial (ministérios) e a especificidade regional (papel do território); na complementaridade e articulação entre estruturas fixas (organismos) e flexíveis (programas ou grupos de missão), permitindo a conservação da história e do saber acumulado e uma maior consideração da evolução política (consideração da variável tempo); na valorização da representação dos diferentes parceiros económicos e sociais aos vários níveis (conselhos consultivos), como expressão da participação dos cidadãos e consideração do papel dos agentes económicos, pela assunção da sua responsabilidade social.

Qual será o papel da Web 2.0 e do Networking na governação pública em rede?
O trabalho cooperativo hoje não requer necessariamente proximidade física, mas a pertença a redes e o incentivo à partilha com uso de novas ferramentas de trabalho. A celeridade nas respostas, a multiplicidade de contributos necessários, o envolvimento indispensável à eficácia nos resultados requerem o uso intenso, mas criterioso e ao serviço de objectivos, destas novas ferramentas.
O constrangimento ainda reside na generalização do seu acesso, pressupondo uma aprendizagem que passa pelas pessoas e pelas organizações, de modo a que se incorporem como verdadeiros instrumentos de trabalho.

Nota: Poderá aceder à versão integral desta entrevista na última edição da revista Interface Administração Pública. Solicite-a através do e-mail , indicando o assunto “PDF Revista AP nº 55”.

Biografia
Arminda Neves é Coordenadora Adjunta da Estratégia de Lisboa, da Secretaria de Estado da Energia e Inovação (MEID), e autora do livro “Governação Pública em Rede – Uma aplicação a Portugal”.

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