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#302 | DEZEMBRO 2010
DAVID FERRAZ
Dirigente da Unidade de Formação em Gestão e Administração Pública do INA
"As tecnologias e a Internet são instrumentos transversais e de suporte à concretização do interesse público de forma partilhada"

O tema da co-produção tem vindo a ganhar raízes no discurso em torno da modernização dos serviços públicos, resultando na partilha de responsabilidades entre a AP e os cidadãos na prestação de serviços públicos para melhor satisfazer as pessoas. Qual a sua posição relativamente a uma maior participação dos cidadãos na prestação de serviços públicos?
A questão da participação dos cidadãos resulta, em primeiro lugar, da necessidade das sociedades contemporâneas aprofundarem as suas democracias. Hoje o cidadão mais exigente, no contexto da Sociedade do Conhecimento, não se contenta somente com o exercício do direito de voto, exigindo cada vez mais transparência, participação e responsabilização no âmbito dos processos de decisão pública. Poder-se-á dizer que uma maior participação tem um impacto positivo nas políticas públicas, significando uma maior legitimidade democrática dessas mesmas políticas. É porém sabido que a sociedade portuguesa padece de um elevado défice de cidadania e participação pública o que pode subverter qualquer processo de participação, confundindo-se participação e cidadania activa com o exercício de lobby encapotado.

Que benefícios acha que a co-produção pode trazer a um melhor funcionamento do sector público?
Se falarmos de cidadania, participação activa e co-produção, em situações de igualdade e equidade dos diferentes actores sociais, distanciando-nos de processos de lobby e, nestes casos, o sector público só terá a ganhar. Falar em co-produção de serviços públicos é falar na capacidade da sociedade civil se organizar e satisfazer cada vez mais necessidades que são cada vez mais específicas e diversificadas geograficamente. A co-produção implica os cidadãos na prestação de serviços públicos garantindo uma maior adequabilidade do serviço, uma maior proximidade e uma maior responsabilização, quer financeira, quer de mérito.

Há quem defenda que a co-produção poderá ser apenas um modo de se tentar diminuir o papel ou a responsabilidade do Estado na provisão dos serviços. Qual a sua opinião em relação a esta ideia?
Sabemos que o Estado, em particular o Estado social, enfrenta hoje graves problemas de sustentabilidade financeira. Sabemos também que uma parte significativa dos portugueses defende a manutenção das funções sociais do Estado e não está disposto a dele abdicar. Tal não significa porém que tenha que ser o Estado a produzir esses serviços sociais. Significa antes que o Estado tem de garantir a existência, em quantidade e qualidade, desses serviços sociais.
Na generalidade dos casos o debate centra-se entre um Estado forte e produtor e um Estado magro e liberal, em que as funções sociais são entregues aos mercados privados. Esquecemo-nos porém, em tantas vezes quantas as que debatemos estas questões, que existem configurações alternativas, assentes na prossecução do interesse público pela sociedade civil e pelo terceiro sector, com o olhar atento do Estado, em áreas como o apoio à infância, à educação, ao envelhecimento activo, aos cuidados de saúde continuados, entre outros, em forte ligação com as comunidades locais. Apesar de poder ser parte da resposta ao problema do crescimento da despesa do Estado, uma maior participação e cidadania activa significa mais que isso.

A que níveis e em que áreas acha mais profícua a utilização da co-produção nos serviços públicos?
Naquelas áreas que referia acima. Convém salientar de novo que Portugal padece de uma reduzida educação em cidadania o que faz com que haja uma menor predisposição para a participação pública e para a co-produção de serviços públicos. O cidadão comum estará pois mais disposto a participar nas questões mais micro, que o afectam directamente na sua localidade ou dia-a-dia, do que propriamente nas grandes questões ao nível macro. Tal significa também que uma maior participação pública e co-produção de serviços será mais fácil de conseguir ao nível micro, e portanto descentralizado, que ao nível macro e mais central. Tal não significa que não possa e deva ser o poder central a despoletar uma maior participação e co-produção ao nível local, como aliás já o fez com algumas iniciativas de apelo à participação como o projecto “ A minha rua”.

As tecnologias e a Internet vieram modificar a relação entre os serviços e os seus utentes, incentivando o “self-service” e facilitando a co-produção. Que importância atribui às novas tecnologias na co-produção de serviços públicos?
São um importante canal e suporte no âmbito deste novo paradigma de prestação de serviços públicos contribuindo para que esses serviços sejam cada vez mais rápidos e estejam cada vez mais acessíveis e disponíveis, permitindo o “aqui e agora”. Em particular a Internet potencia a participação pública em rede permitindo que diferentes actores acedam a quantidades significativas de informação e partilhem conhecimento de forma mais rápida e estruturada.

Acha que as tecnologias e a Internet são a única fonte de motivação para a co-produção?
Não. As tecnologias e a Internet são instrumentos transversais e de suporte à concretização do interesse público de forma partilhada. Tal não significa que substituam outras formas mais tradicionais de promover a participação pública, nomeadamente através da participação em assembleias municipais, em processos de consulta pública ou em, por exemplo, petições à Assembleia da República. Tal não significa que nestes últimos casos não se possa recorrer a estes instrumentos ou que eles são substituíveis. Devem ser encarados como suplementares e/ou subsidiários, tanto mais que nem todos os cidadãos têm acesso à internet e/ou os conhecimentos suficientes para utilizar tecnologia. Claro está que estes não podem ser excluídos, tendo que se lhes assegurar uma igualdade de acesso e participação no âmbito da prossecução do interesse público.

Poder-se-á falar de um novo paradigma de serviço público em que a relação de dependência do cidadão é substituída por uma relação de interdependência, para a qual concorrem as pessoas, as famílias e as organizações sociais. Concorda?
Este novo paradigma de prestação de serviços públicos deve encarar o processo de participação como um fenómeno bidireccional, implicando tanto uma interacção do Estado para com a sociedade, como uma interacção da Sociedade com o Estado. Esta nova forma de comunicação substitui as comunicações unidireccionais que caracterizavam tradicionalmente a nossa Administração. Pode pois dizer-se que a relação tradicional de dependência do cidadão para com o Estado diminui, o que não significa, nem pode significar, uma total independência e/ou arbitrariedade por parte do cidadão individual ou colectivamente organizado.

Poderá haver alguma desvantagem nesta relação de interdependência?
Como tentei referir anteriormente o Estado, por via da Administração Pública, encarregue de prosseguir o interesse público em nome da colectividade, não pode ficar dependente da vontade de um cidadão ou grupo de cidadãos. Apesar de aparentemente uma co-produção poder parecer uma maior partilha e consequentemente uma maior interdependência, no contexto da Administração Pública deve ser encarada mais como uma colaboração e partilha de responsabilidades, entre o Estado e o cidadão, mantendo-se a supremacia do Estado enquanto garante da satisfação do interesse público. Não pode pois significar que fica dependente de terceiros, antes que pode e deve colaborar e partilhar responsabilidades com esses terceiros.

Parafraseando Maria Manuel Leitão Marques, Secretária de Estado da Modernização Administrativa, ‘Se queres ir depressa vai sozinho, mas se queres chegar longe procura companhia’, poderá bem ser o novo lema deste novo paradigma de maior envolvimento e responsabilização social e individual nas tarefas públicas que nos tocam. Pode comentar?
Este é um caminho que não pode ser feito sozinho. Falamos de um modelo que coloca o cidadão e a sociedade no centro e que, portanto, implica uma nova forma de organização da sociedade em torno da prossecução do interesse público. Considerando os nossos baixos níveis de literacia e de educação para a cidadania é um modelo de Estado e de Administração que se deve procurar implementar no médio-longo prazo, promovendo no curto-prazo um conjunto de medidas que nos permitam alcançá-lo. Não esqueçamos que Portugal é um país com várias centenas de história centralizadora e que as tentativas de descentralização, sejam no âmbito das Revoltas Liberais e da 1ª República ou da Constituição de 1976, nunca instituirão, na prática, uma realidade administrativa descentralizadora. Temos pois a desfavor não só questões de défices de educação para a cidadania como uma forte tradição centralizadora em que os cidadãos delegaram, durante muitos anos no poder central aquilo, a prossecução do que lhes dizia directamente respeito (ao nível inclusivamente local). Não nos podemos alienar deste contexto histórico desincentivador, nem tão pouco deixar de fazer alguma coisa para o mudar, implicando mais os cidadãos na concepção, implementação e responsabilização no âmbito das decisões e políticas públicas que se querem cada vez mais transparentes e próximas do cidadão.

Nota: Poderá aceder à versão integral desta entrevista na última edição da revista Interface Administração Pública. Solicite-a através do e-mail , indicando o assunto “PDF Revista AP nº 56”.

Biografia
David Ferraz é Dirigente da Unidade de Formação em Gestão e Administração Pública do Instituto Nacional de Administração (INA). É licenciado em Gestão e Administração Pública pela Universidade Técnica de Lisboa, diplomado com o Curso de Estudos Avançados em Gestão Pública (CEAGP-INA, I.P.) e Mestre em Administração e Políticas Públicas pelo ISCTE.

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