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#305 | MARÇO 2011
JOÃO CATARINO TAVARES
Coordenador do Grupo de Trabalho dos Serviços Partilhados da APDSI
"Um dos requisitos à implementação dos serviços partilhados é a uniformização de regras e procedimentos"

Em que medida a gestão partilhada de recursos na Administração Pública (AP) constitui uma oportunidade para mudar a forma como os organismos públicos desenvolvem os seus processos administrativos e tecnológicos, no sentido de uniformização de regras e procedimentos, da racionalização de estruturas, equipamentos e recursos?
A gestão partilhada de recursos na AP, da mesma forma que para o sector privado, constitui uma oportunidade para se repensar e melhorar os processos. Dado que os processos nas áreas administrativas da AP são fortemente regulamentados através de orientações das entidades reguladoras ou de legislação, para que aquela oportunidade se concretize é necessário uma boa articulação entre as entidades reguladoras, por vezes muito focadas com a legalidade dos processos, e os centros de serviços partilhados (por centro de serviços partilhados entendo um organismo especializado e dedicado à prestação de funções de suporte a outros organismos) que possuem uma visão mais operacional dos processos. Tem que haver um equilíbrio entre o “peso” da regulamentação e a “leveza” operacional que garanta, nomeadamente, a transparência dos processos, fundamental quando se trata de dinheiros públicos.
Quando o processo é pensado para ser implementado numa estrutura de serviços partilhados tem que ser decidido que parte do processo fica nos organismos e que parte fica no centro de serviços partilhados. Quanto maior for esta parte, maior é o ganho em termos de economias de escala e maior a garantia de uniformização de regras e procedimentos.
Um dos requisitos à implementação dos serviços partilhados é a uniformização de regras e procedimentos. Os centros de serviços partilhados ao assumirem grande parte dos processos, até então da responsabilidade dos diferentes organismos, têm de ter procedimentos normalizados suportados em sistemas de workflow, o que ajuda à uniformização dos processos.
A gestão partilhada de recursos também possibilita uma racionalização das estruturas, equipamentos e recursos que resulta da economia de escala possível de realizar e já suficientemente demonstrada na prática.

Quais acredita serem as principais vantagens no que diz respeito à gestão partilhada de recursos na AP, nos vários domínios (recursos humanos, recursos financeiros e orçamentais, avaliação de desempenho, recursos materiais)?
As vantagens são: economia de escala e correspondente aumento da produtividade, maior tecnicidade dos recursos humanos afectos com a possibilidade de criação de verdadeiros centros de competência e excelência nas áreas respectivas e um maior foco na organização e nos processos com a implementação das melhores práticas.
Um aspecto adicional que gostaria de salientar, o qual é, frequentemente, referido nos estudos sobre a implementação dos serviços partilhados, é a alteração qualitativa que se verifica nos colaboradores destas áreas e na forma como encaram o seu próprio trabalho pois ao serem integrados em centros de serviços partilhados, funções, que nos restantes organismos são de suporte, nestes passam a ser funções fins. A passagem da prestação de funções de suporte, quase sempre secundarizadas para funções centrais de um organismo, tem toda a importância na motivação e desempenho destes colaboradores.
Outro aspecto importante, é que as direcções dos organismos, actualmente, gastam demasiado tempo com os problemas da gestão dos recursos tendo que se preocupar em demasia com problemas de ordem táctica e, por vezes, operacional. Os serviços partilhados possibilitarão que estas direcções se libertem de algum deste peso e se foquem mais nos aspectos estratégicos específicos da organização.
De tudo isto resultará uma melhor gestão dos recursos e uma melhor gestão estratégica dos organismos. Isto claro, se o modelo implementado funcionar bem e for correctamente implementado.

Possuirão os organismos do Estado capacidades que lhes permitam acompanhar a mudança e, ao mesmo tempo, assumir e desenvolver novas competências por recurso à implementação de novas técnicas e modelos de gestão?
Os organismos do Estado e os funcionários públicos têm passado por diversas reformas nos últimos tempos e têm demonstrado uma grande capacidade de acompanhar a mudança e de adopção de novos processos e técnicas, mesmo quando o seu papel é tão pouco reconhecido.
É curioso verificar a abertura demonstrada pelos funcionários no estudo já referido, onde 54% dos inquiridos refere que os serviços partilhados “contribuirão positivamente para o meu trabalho” e só 8% demonstram receio ou preocupação referindo que a sua introdução “poderá colocar em causa a minha situação profissional”. Esta posição contrasta com o estereótipo do funcionário público como alguém acomodado e pouco aberto à mudança e com muitos dos preconceitos que frequentemente limitam a própria decisão e acção.
Para além da abertura dos funcionários públicos, a criação dos centros de serviços partilhados facilita a mudança e a introdução de novas técnicas e modelos de gestão pois diminui os pontos onde se verifica a mudança e onde há que agir, já que grande parte dos processos e da sua tecnicidade é assumida por estes centros. Mudança essa facilitada pelo nível de tecnicidade e excelência que se espera destes centros de serviços partilhados que deverão ser, eles próprios, agentes de mudança com um papel pedagógico para com os organismos que com trabalham. Se cada centro de serviços partilhados prestar serviço a 50 organismos, diminui-se, nesta mesma escala, o número de pontos de acção para a mudança.

De acordo com um estudo da APDSI, por si liderado, as TIC são uma das áreas de serviços partilhados com maior maturidade, na AP. Porque acha que assim é?
Penso que a maior maturidade referida para a área das TIC tem a ver com a existência, há muitos anos, de institutos ou organismos com responsabilidade sectorial pela informática em diversos ministérios, que prestam serviços numa óptica de serviços partilhados ou muito próxima desta. Por outro lado, esta é uma das áreas onde se verifica maior externalização de serviços.
Saliento que as TIC são, não só, uma das áreas de maior maturidade, como também, aquela onde o nível de satisfação com essas experiências é maior.

Mas em geral, os serviços partilhados têm uma maturidade relativamente baixa, contrastando com o alto nível de serviços internos. Acha que deveria haver um maior investimento na gestão partilhada de recursos no sector público?
Olhando para a história e evolução da AP, é curioso verificar que até ao início dos anos 80 a gestão dos recursos era, em grande parte, centralizada e efectuada pelas Secretarias-gerais dos Ministérios. Com as correntes associadas ao New Public Management, criou-se um movimento tendente à descentralização das competências e à maior responsabilização dos gestores que levou à descentralização da gestão dos recursos e a uma maior autonomia dos organismos.
A partir daí, todos os organismos passaram a ter os seus serviços administrativos, a sua informática, os seus juristas, a sua… Como se este sentimento de posse e controlo, de ter os serviços sob o mesmo tecto, garantisse por si uma melhor gestão ou uma maior capacidade de gestão. De um ponto de vista de uma organização como o Estado, com centenas de organismos, este modelo é altamente irracional e consumidor de recursos.
O movimento pelos serviços partilhados nasce na AP na senda do seu sucesso nas empresas, em particular, nas grandes empresas com algumas semelhanças em termos de complexidade de organização, com o Estado. Por cá, este movimento aparece, formalmente, em 2003/4, com a proposta da sua aplicação à generalização do POCP, e mais tarde, em 2006, reconhecido no âmbito do PRACE. Os serviços partilhados demonstraram que são uma solução que permite retirar o melhor do modelo do New Public Management, assegurando a autonomia dos organismos, a descentralização da gestão e a correspondente responsabilização dos gestores e, simultaneamente, retirando todas as potencialidades de uma gestão centralizada dos recursos.
Mas ainda estamos no início do processo de implementação dos serviços partilhados na AP, pelo que ainda muito há que fazer e que investir, nomeadamente, em formação para tornar este movimento efectivo nos seus benefícios.
Curiosamente, é na Administração Local que os serviços partilhados apresentam menor maturidade, pelo menos menor maturidade percebida pelos seus funcionários, conforme o resultado do inquérito demonstra. A Administração Local é uma das áreas onde mais há a ganhar com a implementação dos serviços partilhados pois não são apenas os processos de suporte que são semelhantes como também os processos principais, o que abre enormes possibilidades a uma melhoria da gestão que possibilitará uma redução de custos se calhar superiores às que um novo mapa administrativo, por si só, possibilite.

Nota: Poderá aceder à versão integral desta entrevista na última edição da revista Interface Administração Pública. Solicite-a através do e-mail , indicando o assunto “PDF Revista AP nº 58”.

Biografia
João Catarino Tavares é Coordenador de Projectos no Ministério das Finanças, Professor da cadeira de Sistemas de Informação para a Gestão Orçamental em pós-graduação no ISEG/UTL (Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa), Membro da Direcção da APDSI e Coordenador do Grupo de trabalho sobre Serviços Partilhados na AP da APDSI.

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