Perante a profundidade e amplitude da crise financeira, é necessária uma reflexão sobre como reconstruir um modelo de regulação dos mercados que supere as evidentes falhas de supervisão, quer das entidades reguladoras, quer dos próprios órgãos internos das instituições.
Além de ajustamentos nas áreas de supervisão e controlo, há que “atender a novos riscos que, até agora, não estavam a ser considerados”, alerta José Maria Lima Pedroso, vice-presidente e administrador-delegado da Hitachi Consulting Portugal, para quem o essencial envolve “uma maior coordenação entre as várias Entidades de Supervisão e um relacionamento mais cooperante entre as Instituições Financeiras e as Entidades de Supervisão”.
No universo da banca, quais os factores críticos para implementar uma prática de gestão de risco integrada?
As novas metodologias de medição de risco, na sua maioria baseadas em avaliações analíticas sobre factores de risco, são extremamente exigentes no que concerne à diversidade e à qualidade da informação de input. Um dos principais pontos críticos para a criação de uma solução integrada de risco está relacionado com a qualidade e dispersão da informação nas Instituições.
Daí que seja fundamental para o sucesso da gestão integrada de risco a definição de uma estrutura de informação que assegure o cumprimento das diferentes necessidades de utilização. Esse tipo de soluções deve assentar num modelo conceptual modular e flexível para poder ser enriquecido de forma evolutiva. Outro factor que não deve ser desprezado é a redução de custos que uma solução desta natureza permite obter.
Esta crise surge numa fase de adaptação dos bancos às novas regras de contabilidade internacionais e ao Basileia II. Que mudanças obrigam a eventuais alterações nas soluções implementadas?
A formação desta crise financeira ocorreu durante a vigência de Basileia 1, numa altura em que os Bancos se encontravam nos últimos passos para a implementação do novo Acordo. E o caminho de Basileia 2 aponta para a utilização de forma continuada de metodologias de avaliação de risco mais complexas e completas. A actual crise funcionará como um factor catalisador e acelerador da implementação de soluções robustas e dinâmicas de gestão de risco. Como consequência assistiremos ao reforço destas metodologias, embora se preveja no futuro algumas adaptações decorrentes de ajustes na legislação, que não serão conflituantes com as soluções actualmente em desenvolvimento.
Mas como é que as condições de mercado afectarão a regulamentação no que respeita à gestão do risco, a supervisão bancária e o capital dos bancos?
É previsível que durante os próximos meses/semestres sejam efectuados ajustamentos à legislação vigente, não só nas áreas de supervisão e controlo mas também na incorporação nos processos de medição, de novos riscos que até agora não estavam a ser considerados.
Entendo que a solução não seja mais legislação, mas sim melhor legislação e sobretudo melhor controlo da aplicação dessa legislação. Paralelamente terá que se assistir a uma maior coordenação entre as várias Entidades de Supervisão, bem como a um relacionamento mais cooperante entre as Instituições Financeiras e as Entidades de Supervisão.
Quais as vantagens e limitações das metodologias, nomeadamente do IRB (Internal Rating Based)? Poder-se-á, aferir as suas perdas (potenciais) em caso de incumprimento?
Em períodos caracterizados por condições económicas favoráveis, o risco da actividade bancária é inferior, pelo que as reservas de capital tendem a ser menores. Mas quando ocorre um período de recessão as bases de capital estão à partida minimizadas, pelo que os bancos ficam mais desprotegidos para enfrentar um período de recessão. Esta é uma limitação de Basileia 2.
O capital por definição é considerado como a última barreira de segurança para fazer face a perdas não esperadas, pelo que, na minha opinião, em futuras revisões do acordo terão que ser avaliadas alternativas para o cálculo de capital que assegurem uma menor correlação dos níveis de capital com o ciclo económico.
Que tipo de avaliação se pode fazer às técnicas de análise do risco de crédito no actual contexto?
A velocidade com que são criados novos produtos financeiros obriga a um reforço continuado dos conhecimentos dos analistas de risco de crédito para acompanhar produtos cada vez mais complexos.
As técnicas tradicionais de análise de risco que ainda imperam no sistema financeiro terão que ser revistas para acompanhar esta evolução. Há que ter em atenção que as metodologias de análise de risco, por si só, não são a solução. Em alguns dos bancos internacionais que tiveram que ser ajudados verificou-se que os riscos estavam mensurados pelas unidades de risco, embora os órgãos de gestão não os tivessem incluído nos seus processos de tomada de decisão. Este tipo de metodologia não é a solução para mitigar futuras crises se não houver uma efectiva integração da gestão estratégica dos bancos com a gestão de risco.
A entrevista será publicada na íntegra na próxima Interface Banca & Seguros
Biografia
José Maria de Lima Raposo é vice-presidente e administrador-delegado da Hitachi Consulting Portugal, acumulando uma vasta experiência no sector, nomeadamente na Andersen Business Consulting, onde além de co-fundador, foi responsável durante anos por Financial Markets, Governement e Healthcare, sectores que constituem uma forte aposta do escritório português da consultora japonesa.