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#88 | DEZEMBRO 2010
MÁRIO JORGE CARVALHO
Coordenador do Gabinete de Economia e Gestão da Faculdade de Ciências e Tecnologias da Saúde da Universidade Lusófona
"O cerne da liderança é a motivação, comparticipação e retenção de competências, a todos os níveis"

Que importância atribui ao papel da gestão e da liderança na área da Saúde pública, bem como à correlação entre ambos?
Não devemos confundir as prioridades. As estruturas de saúde vivem para prevenir a doença e tratar os doentes – estes são os seus objectivos por excelência. Só que a saúde em Portugal, apesar dos indiscutíveis avanços verificados, sofre infelizmente de um problema básico que aparenta ser insolúvel – meios financeiros escassos para aplicar a fins de investigação, terapêuticos e outros cada vez mais exigentes em termos de financiamento. E tudo isto a acrescer a uma política sistemática de sub-orçamentação que obviamente agrava a situação. Por causa disso é que a gestão em saúde tem aparecido como vector importante na resolução desse aparente “bloqueio”. O problema da liderança é outro, no meu entender. De facto, enquanto os políticos e os burocratas não se capacitarem de que existem competências potenciais no sistema para levar por diante a sua grande reconversão, deixando de querer tudo controlar, definir e gerir, dificilmente encontraremos um caminho de regeneração.

Que relação existe entre a racionalização de custos com a gestão e a liderança nos hospitais?
Sem querer brincar com coisas muito sérias, dir-lhe-ei nenhuma! Ando há já alguns anos a defender uma posição que procura situar devidamente o problema: quando, de uma vez por todas, se focalizarem as atenções de gestão nos serviços e unidades nucleares (desde os cuidados primários até às organizações hospitalares); quando se der aos líderes e potenciais lideres desses serviços e unidades a formação básica e posterior autonomia e responsabilidade directa de gestão e, finalmente, quando se tiver a coragem de desmultiplicar por todos os níveis de responsabilidade na saúde a contratualização de objectivos associada à verdadeira e eficaz avaliação de desempenho em excelência das organizações – enfim e também, se os tempos eleitorais se quisessem subordinar aos enormes e superiores interesses do doente e dos profissionais da saúde – a dita “racionalização de custos” seria o subproduto de um desempenho de excelência comandado pelos profissionais que, melhor do que ninguém, sabem o que fazer. Deixe-me dar-lhe um exemplo: o Prof. Miguel Gouveia liderou um estudo que foi analisar a performance de algumas USF’s – os resultados obtidos espantaram muita gente, nomeadamente na tal “racionalização de custos”. A pergunta a fazer é só uma: os profissionais que lideram e gerem aquelas USF’s eram diferentes ou ficaram diferentes quando iniciaram esse exercício? Eu, por mim, tenho uma resposta muito simples: criou-se, de facto, com as USF’s uma ”cultura de gestão” que, na minha opinião, só há que generalizar a respectiva aplicação, sem interferência demasiada dos burocratas e políticos, a quem devia competir naturalmente – e no meu entender, só! – definir a estratégia e superintender a respectiva aplicação. Enquanto a actual tentativa de racionalização de custos passar notoriamente ao largo do comprometimento, da participação activa e da co-responsabilização das lideranças intermédias nos hospitais, pouco conseguiremos ganhar – é esse o meu mais profundo convencimento. 

Tendo em conta o actual panorama da Saúde, considera que seria necessário um maior investimento na formação de quadros em gestão e liderança?
Mais do que investir eu diria que será preciso criar uma “vaga de fundo” entre os profissionais da saúde no sentido de lhes ser pedido este contributo para a efectiva regeneração de todo o processo decisório na saúde. Não há sector nenhum de actividade onde o nível de qualificação e competência dos seus profissionais sejam mais elevados. O que se lhes pediria não é saber de contabilidade, direito do trabalho ou gestão operacional – para isso, lá devem estar os técnicos nessas matérias. O que precisamos é que quem está à frente dos diversos níveis da hierarquia de decisão sintam a necessidade de saber exercer uma efectiva liderança empreendedora, fora dos corporativismos, das “quintas e domínios privados do autoritarismo”, do empirismo nas fontes e informação ou nos meios disponíveis para verdadeiramente gerir o que se responsabiliza. O cerne da liderança é a motivação, comparticipação e retenção de competências, a todos os níveis – se os ditos liderem não o são, de facto, ou não encontram razões para se envolverem no processo, a emersão na formação pode ter algum contributo mas é seguramente efémero.

Na sua opinião, poderíamos afirmar que a gestão e a liderança constituem a base que sustenta toda a máquina hospitalar?
Durante anos tenho feito a mesma pergunta a centenas de profissionais das organizações hospitalares, a propósito do célebre controlo biométrico de assiduidade: no seu serviço, V. não consegue identificar um-a-um os relapsos, os mandriões e os incompetentes? A primeira reacção do visado é sorrir – a segunda é o abanar de cabeça afirmativo. A seguir, faço uma segunda pergunta: na sua opinião, no serviço liderado pelo doutor xis (notoriamente um líder assumido) há possibilidade dessas situações se manterem? A resposta é sempre a mesma – com muito menor probabilidade! A base de sustentação do que chama “máquina hospitalar” é a solução organizacional (boa ou má; eficaz ou ineficaz) escolhida para o seu funcionamento corrente. O centralismo, a burocracia, o não acreditar na estrutura nem nas lideranças intermédias – tudo isso é que tem minado, ano após ano, o funcionamento das organizações hospitalares. A gestão e a liderança só poderão ter um contributo eficaz e positivo para a regeneração do sistema se e só se houver uma “revolução de mentalidades” ao nível ministerial, das administrações regionais de saúde e das próprias administrações hospitalares.

“Os Sistemas de Saúde têm que ser analisados e estruturados como uma organização empresarial, sendo necessário obter rentabilidade económica, prestar serviço de qualidade centrado no atendimento dos clientes/pacientes, e sendo eficiente na cadeia de valor através da fiabilidade na movimentação de materiais e de informação”. Concorda?
Desconheço quem escreveu o texto mas vou desiludi-la: não concordo definitivamente com os diversos pressupostos subjacentes à afirmação. Em primeiro lugar – e estamos a falar do SNS – confunde-se um objectivo de desempenho de excelência organizacional com a cultura empresarial e a consequente “rentabilidade económica”. Ora, como contribuinte e potencial utente, repugna-me o objectivo do SNS de obtenção de lucro. O nosso grande objectivo económico dentro do SNS deverá ser, isso sim, não ter prejuízos. Parece a mesma coisa mas não é. Um prejuízo é fatal para qualquer organização pela razão simples de ter de ser financiado como aplicação de fundos que é e, portanto, com o recurso sucessivo a capitais alheios (passivo). Daqui que seja rigorosamente diferente, em termos de gestão, ter um objectivo de equilíbrio sustentado das contas ou ir mais além e procurar remunerar o accionista-Estado. Por outro lado, quando me falam em “prestar serviço de qualidade” em saúde, fico com os pêlos todos eriçados. Em saúde, a qualidade é intrínseca ao respectivo exercício, faz parte integrante da cultura, dos pressupostos e da visão das diversas lideranças. O difícil – e vimos todos isso nos diversos processos de certificação hospitalar – é obter a comparticipação assumida da estrutura para esse objectivo e que só se consegue de uma única maneira: de baixo para cima e nunca de cima para baixo. E não estamos a inventar nada: a bibliografia sobre estas matérias é autenticamente avassaladora – não são os administradores ou os directores de topo que decretam a qualidade como vector identificador da cultura de uma organização.

Quais são, para si, os mais importantes instrumentos de gestão e os factores que poderão ter mais influência numa gestão mais eficiente do sistema de saúde português?
Repito-lhe o conselho que dei um dia e que, infelizmente, não foi seguido: por muito experiente que seja o gestor que chegue à saúde, ele tem de se capacitar que tudo o que aprendeu será posto em causa e em dúvida, tal é a originalidade e as dificuldades do exercício da gestão no sector. Para isso, um primeiro grupo de princípios: carradas de bom senso, de humildade e capacidade de ouvir. Depois, num segundo grupo de factores cruciais, apontaria o objectivo dos consensos o mais alargados possível para as decisões mais críticas e a capacidade de convencimento perante a explanação clara da visão da liderança. Finalmente, vou repetir-me: enquanto não se criarem mecanismos e instrumentos de avaliação de desempenho em excelência das organizações a todos os seus níveis e, a partir daí, estabelecer os respectivos programas de contratualização, com a consequente mudança cultural do foco nos serviços e unidades, é minha convicção que pouco se avançará a caminho da eficiência e da eficácia do respectivo funcionamento.

Conhece exemplos concretos de sistemas de sucesso que podem fazer a diferença na gestão de um hospital?
Conheço e não preciso de sair do país. Em todos os hospitais do país, há exemplos de referência que deveriam ser estudados e mimetados; a própria iniciativa privada trouxe para a saúde soluções e práticas excelentes que poderiam ser adoptadas ou replicadas; por último, por favor não estraguem com burocracia, intromissão e desalento a extraordinária experiência das USF’s!

Como definiria o actual panorama da gestão e liderança no sistema de saúde português?
Quem vai ser o próximo Ministro – daqui a semanas ou a meses? Se houver alguma alteração no poder, quantas administrações regionais, quantas administrações hospitalares, quantos projectos estruturantes serão mudados ou repensados? É este, de facto e só, o nosso fado no SNS! Viver sempre a prazo curto das decisões (mesmo quando não há mudanças no poder político), a tal “navegação à vista” onde se misturam objectivos megalómanos com a pressa de “fazer coisas” – isto sim, põe em risco grave o SNS. Estou convencido que é possível encontrar uma solução perene e sustentada para o SNS, na sua dupla perspectiva – a económica e regulamentar (que competirá obviamente ao Estado) e a de gestão, para a qual existem potencialidades indiscutíveis não utilizadas.

Biografia
Mário Jorge Carvalho é Coordenador do Gabinete de Economia e Gestão da Faculdade de Ciências e Tecnologias da Saúde da Universidade Lusófona, desde 2009.
De 2006 a 2009, foi consultore formadoracreditadoemGestãona Saúde. Desenhou e implementou uma formação modelar de entre 24 e 32 horas sob o título “A Gestão das Unidades Estratégicas nas Organizações de Saúde”. Esta formação foi acreditada pela Ordem dos Médicos. No decorrer do período referido, realizou mais de 20 cursos com mais de 300 formandos (Médicos, Enfermeiros, Farmacêuticos e Técnicos), nomeadamente, três cursos na Ordem dos Médicos, dois no Instituto Português de Oncologia e um na Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade do Minho. Em complemento e na continuidade dessa actividade, realizou várias acções de consultoria em hospitais e organizações de saúde na área da gestão.
Já foi Administrador Delegado e Executivo do Hospital São João (Porto).
É coordenador da Pós-Graduação em Gestão de Topo e Liderança na Saúde – autor dos programas curriculares da Pós-graduação e Mestrado em Gestão na Saúde, da Faculdade de Ciências e Tecnologias da Saúde da Universidade Lusófona. É também formador no INA Instituto Nacional de Administração, naOrdem dos Médicos (DR Norte), no CESPU – ISLA, na Câmara de Revisores Oficiais de Contas e no Instituto de Formação Bancária.

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